Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O PROTAGONISMO DA ATENÇÃO BÁSICA NA CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO DE REUNIÃO DE REDE DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE CAMAÇARI/BA.
Araton Cardoso COSTA, Maryana Soares SANTANA, Ana Carolina CUNHA

Última alteração: 2022-02-06

Resumo


Diante do contexto brasileiro de transição demográfica, com envelhecimento populacional, aliado ao cenário epidemiológico de tripla carga de doenças e à fragmentação dos sistemas de saúde, surge a proposta das redes de atenção à saúde (RAS). São definidas como organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, compostos entre si por uma missão única, objetivos comuns e ação cooperativa e interdependente, com oferta de atenção integral e contínua coordenada pela atenção básica. Dentro das diversas RAS implementadas, surge a proposta da rede de atenção psicossocial (RAPS), instituída pela portaria 3.088/2011, que efetiva a garantia de atenção integral à saúde das pessoas com transtorno mental ou necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Por se inserir no contexto de maior proximidade da vida das pessoas, o trabalho em saúde mental (SM) na atenção básica (AB) ocupa lugar estratégico, visto que potencializa o cuidado a esse público no território e,se aproxima da efetivação de sua função de coordenação do cuidado. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é descrever o processo de construção de um espaço de reunião de rede voltada para a atenção à saúde mental, composto por equipes de atenção básica e especializada, apontando potencialidades e desafios emergentes a partir dessa experiência. O espaço de reunião de rede de saúde mental se origina a partir de profissionais do programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família (FESFSUS) que atuavam na função de apoio matricial, compondo um núcleo ampliado de saúde da família (NASF) que apoiava duas unidades de saúde da família (USF), em Camaçari - BA. Na busca pela qualificação do processo de cuidado, a partir do resgate dos distintos itinerários terapêuticos de usuárias, foram propostos encontros mensais com os serviços de saúde - da atenção básica e especializada - presentes em uma determinada região de saúde (USFs, UBS e os CAPS ad, III e infanto-juvenil). A primeira reunião iniciou com a apresentação dos serviços presentes, resgate histórico de encontros entre a AB e a SM, discussão dos casos que dispararam a articulação dessa rede e projeção de futuros encontros. A partir daí, foram desenrolando-se outras ações, sustentando os encontros e aproximando os serviços de forma propositiva. Ao longo dos sete encontros já realizados, foi possível perceber como a discussão dos casos compartilhados (ou em vias de serem) entre os distintos serviços qualificava o cuidado, onde o apoio matricial se concretizava tanto pela discussão, em ato, quanto pela organização, por exemplo, de visitas domiciliares compartilhadas. Foram ainda discutidos os fluxos de acesso aos serviços de SM, a linha de cuidado à SM do município, propostas de temas para matriciamento pelos CAPS, grupos no território pensados a partir de demanda diagnosticada no próprio espaço das reuniões, bem como a divulgação de programas de apoio matricial para públicos específicos. Outro elemento importante, e até então incomum, foi a garantia da corporificação dos serviços, equipes e trabalhadoras que compõem a rede de saúde, na medida em que superamos o protocolar contato telefônico ou documento de referência e passamos a construir o cuidado em rede a partir da presença e do diálogo, proporcionando o (re)conhecimento dos pontos de atenção e concretizando lugares, pessoas e encontros. A construção desse espaço de rede de serviços permitiu que a AB ocupasse de fato seu lugar enquanto coordenadora do cuidado, na medida em que ativamente realizava a proposição de pautas e casos a serem discutidos, bem como sustentava a realização da sequência dos encontros, propondo a itinerância na organização da reunião, divulgando os encontros previamente e levantando pautas que visavam sustentar o espaço, como momentos de avaliação e fluxos de comunicação entre os serviços presentes nos encontros. Como desafios, percebemos a ausência de alguns serviços da AB, nomeadamente os que não possuíam o programa de residência em saúde da família em sua composição, sob justificativa da demanda de trabalho e redução das equipes. Acompanhamos, ainda, a escassez na presença de trabalhadoras dos distintos serviços, tanto por questões de agenda, na qual ocorrem colisões entre demandas dos serviços e da rede, quanto por efetivos reduzidos por questões de férias, adoecimentos ou atividades junto à gestão. A gestão coletiva dos espaços foi identificada como principal dificuldade, levando-nos a pensar na frágil compreensão da potência do espaço ocupados pelas USF, principais ausências, como, também, pela dificuldade histórica de implicação da AB no cuidado a SM no seus territórios. Ainda que a proposta do apoio matricial busque construir relações horizontais e democráticas, baseado na cogestão, a própria estrutura dos serviços e rede de saúde, que ainda cristaliza hierarquias, emerge como empecilho para que as equipes assumam o protagonismo do espaço e passem a conduzi-lo coletivamente de forma implicada. A perspectiva futura é de sustentação dos encontros e do espaço de articulação em rede de forma mais autônoma e autogestionada, um desafio que ainda está em construção. Ademais, pretendemos concretizar propostas de realização de grupos no território de forma compartilhada entre a AB e SM, planejar e implementar projetos de saúde nos territórios, convocar outros pontos da rede que hoje não estão presentes na reunião, mas compõem a RAPS (UPA e CER, por exemplo), discutindo seus fluxos de acesso e perspectivas terapêuticas, estabelecendo uma articulação que se pretende ser duradoura. Após a institucionalização dessa rede, projetamos a ampliação desse espaço para outras regiões de saúde e setores, como, por exemplo, a assistência social, que com frequência ocupa o papel de principal parceira do setor saúde. Concluímos, portanto, que a partir da experiência, pode-se perceber como a construção do cuidado em SM na AB é facilitado quando espaços de articulação são instituídos. O apoio matricial se consolidou como ferramenta de garantia da integralidade e continuidade do cuidado, além de efetivar a coordenação do cuidado pela AB. Sustentar encontros diante de agendas que espremem os serviços e nos afastam permite combater a fragmentação do cuidado e a construção de um coletivo de trabalhadoras que dialoga e se ampara, andando na direção do que defendem os princípios e diretrizes do SUS.