Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Equidade e População Quilombola: vivências e práticas na Atenção Primária à Saúde.
NAYARA RÚBIO CAMPOS, VANESSA DE SOUZA AMARAL, ARISLON FELISBERTO, DEÍSE MOURA DE OLIVEIRA, ARIADNE SALOMÃO LANA MAGALHÃES, CLAYVER VIKTOR MOREIRA DE AZEVEDO, ANTONIO MÁRCIO GOMES, ALVINO SOUZA AMARAL

Última alteração: 2022-02-24

Resumo


APRESENTAÇÃO

Neste período histórico de pandemia da COVID19, a Atenção Primária à Saúde (APS) demonstra e reafirma seu papel essencial e já consolidado, no cuidar e promover sáude. Ao ser porta preferencial de contato dos usúarios, tornou-se estratégia fundamental no processo de imunização contra a COVID19, por muitos fatores, dentre eles, o reconhecimento dos territórios e das populações inscritas.

O conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural, ou seja, saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Este conceito nos permite olhar a saúde sob a ótica das singularidades das populações vulneráveis, reconhecidas e legitimadas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), dentre elas a população quilombola, inscrita como público prioritário no Plano Nacional de Operacioalização da Vacina contra Covid19 e nas deliberações estaduais.

O municipio de Ponte Nova, localizado na Zona da Mata Mineira, conta com uma população estimada de 60.003 habitantes, dentre essa população possui uma comunidade certificada pela Fundação Cultural Palmares e outras cinco comunidades reconhecidas pela Secretaria do Estado, totalizando uma população estimada de 2.140 habitantes, atribuindo grande significância no território.

Pensar este território, as singularidades desta população em específico e articular estratégias no processo de vacinação da COVID19 apresentaram-se como desafios inscritos e mediados pela APS de Ponte Nova.

DESENVOLVIMENTO

Durante o processo de tomada de decisão em relação à operacionalização da imunização em questão, a Secretaria Municipal de Saúde esteve em contato direto e constante com a Superintendência Regional de Saúde, a qual norteou o município, conduzindo de forma equânime a ação.

O critério para início da vacinação no município foi a territorialização, alinhada as comunidades reconhecidas, sendo o primeiro contato estabelecido aconteceu junto às lideranças comunitárias através dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para a aproximação com as comunidades.

O início da  vacinação ocorreu no dia 24/04/2021 nas comunidades quilombolas rurais. Neste dia, foram vacinadas in loco 135 pessoas. Ressalta-se que, como forma de registro regulatório, cada indíviduo vacinado se autodeclarou quilombola.

Diante do quantitativo de doses recebidas naquela ocasião- que não contemplava toda a população adscrita em território- e com base em um estudo e levantamento do Sistema de Informação Esus-AB,a gestão da APS, acionou o Ministério da Saúde, para orientação quanto à condução ao bairro Nossa Senhora de Fátima, que é o território quilombola de maior ocupação populacional do município.

Decidiu-se assim, priorizando o caráter deliberativo e participativo, por instituir uma Comissão Representativa, a qual conduziria junto à Secretaria de Saúde a continuidade da vacinação junto à essa população. Consolidada em Portaria Municipal Nº 04/2021 a comissão designada para definição de critérios da vacinação das comunidades quilombolas do município de Ponte Nova foi formada pelos seguintes membros:

  • Representante indicado pela Câmara Municipal;
  • Representante indicado pelo Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR);
  • Representante da Secretaria Municipal de Assistência Social;
  • Representante da Secretaria Municipal de Saúde;
  • Representante da Coordenação de Imunização;
  • Representante da Estratégia Saúde da Família Nossa Senhora de Fátima;
  • Representante do Grupo Afro Ganga Zumba

 

A primeira reunião desta Comissão aconteceu no dia 29/04/2021, a qual deliberou que o COMPIR convocaria uma reunião com as entidades que o compõe e realizaria um levantamento conjunto em relação às famílias remanescentes de quilombos. Esta ação foi importante para que a própria comunidade compreendesse o processo e  de forma colaborativa participasse das ações.

Neste tempo, Ponte Nova foi contemplada pelo Ministério da Saúde com mais 2000 mil doses de vacina destinada especificadamente para  a população quilombola. Assim, o segundo momento da vacinação ocorreu no dia 06/05/2021, na Estratégia Saúde da Família Nossa Senhora de Fátima.

A Equipe de Estratégia de Saúde da Familia organizou um momento solene in loco onde 50 usúarios indicados pela própria comunidade foram o gatilho de disparo para o início da vacinação. Na ocasião, a primeira usúaria vacinada foi a líder percursora de um grupo afrodescendente (Grupo Afro Ganga Zumba), hoje ativo e que sustenta movimentos e a representatividade quilombola dentro do território.

Assim, de forma subsequente foi realizada estapas de vacinação devido ao quantitativo de usúarios, que aconteceu em junho, julho e agosto. Essa organização foi contruida pela ESF e aconteceu de acordo com as microáreas demarcadas pelos ACS. Conduziu-se assim o processo até que toda a população quilombola fosse contemplada.

RESULTADOS E IMPACTOS

A escolha de “ser ou tornar-se” quilombola, além de demonstrar a lógica que permeia as ações reivindicativas dos integrantes de uma associação quilombola, permite uma maneira de pensar seu o território como algo constituído por sujeitos que possui trajetórias “semelhantes” que não seja somente a ancestralidade africana.

Enquanto pelos cantos do Brasil ecoavam relatos sobre as dificuldades enfrentadas em legitimar essas populações tradicionais, a APS de Ponte Nova fomentava articulações com vários setores da sociedade civil para que o território quilombola fosse reconhecido de fato perante aos órgãos públicos.

Notoriamente aconteceu um processo de resgate identitário da referida população, dos uúarios pertencentes às comunidades quilombolas, dos diversos orgãos repesentativos envolvidos, dos movimentos sociais que nortearam os caminhos através das lideranças comunitárias e do restante da população que se viu envolvido no despertar deste movimento.

Ocorreu ainda, um envolvimento das equipes da APS que se movimentaram não só no sentido da operacionalização da vacina, indo além, em busca de conhecimento sobre este território, sobre as políticas públicas direcionadas a essa população, intensificando a orientação comunitária sobre a temática e consequentemente produzindo práxis sob a ótica da equidade, da integralidade e do reconhecimento a essa população.

Paralelo à imersão no princípio da equidade, a vacinação destas comunidades propiciou elevadas coberturas vacinais da população em geral, pode-se avançar no processo perante as 2.140 pessoas autodeclaradas como remanescentes de quilombos vacinadas com a 1ª dose.

Está ação de forma evidente,contribuiu para redução de casos de doença no coletivo populacional, diminuiu a circulação de agentes infecciosos, impactando positivamente na saúde daqueles que ainda não haviam sido vacinados, uma vez que passam a estar protegidos indiretamente (imunidade rebanho).

Com este percurso organizacional, toda a comunidade quilombola foi imunizada e os reflexos destas ações de muitas formas se reverberaram no municipio, consolidando o promover sáude através de práxis com intecionalidade.

Há que se formar para cuidar. Há que se articular para consolidar. E há que se fortalecer práxis em saúde que diminua as desigualdades sociais históricas e persistentes no Brasil. O caminho se faz nos microprocessos, e sobre isso o território é rico em nos ensinar através de suas vivências, através das articulações, através das representações.

CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕESFINAIS

Através do percurso desta ação foi possível identificar que a necessidade da articulação intra e intersetorial como aspectos desafiadores no enfrentamento das desigualdades sociais na APS.

É essencial que a gestão construa estratégias de atendimento e de priorização dessa população que vive em situação de vulnerabilidade, com base no estabelecimento de metas específicas para a melhoria dos indicadores de saúde.  Neste ensejo reveste-se de importância pautar e debruçar sobre questões que problematizam as demandas de ordem ligadas a equidade, considerado um desafio ora apresentado pelo processo de vacinação a comunidade quilombola e que repercute demasiadamente  em muitas outras nuances dentro do território e assim consequentemente na garantia da equidade e integralidade, princípios fundamentais do SUS.