Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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IMPLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS PESQUISAS CIENTÍFICAS SOBRE COVID-19 E UM ENFOQUE EM POPULAÇÕES VULNERÁVEIS
Soraya de Paula Almeida Rezende, Erval Antonio de Rezende, Benedito Silva de Almeida Junior, Sayonara de Paula Almeida Félix, Aylla de Almeida Félix

Última alteração: 2022-02-24

Resumo


APRESENTAÇÃO

 

A pandemia de COVID-19, iniciada no fim do ano de 2019, impôs à humanidade uma série de desafios, em decorrência de seus caracteres distintivos: uma doença que se dissemina por meio do contato pessoa-pessoa, com altas taxas de transmissibilidade e que, uma vez instalada, compromete diferentes mecanismos fisiológicos fundamentais para a manutenção da homeostasia.

Diante disso, o quadro que se instalou ao longo de vários meses dos anos de 2020 e 2021 foi de estabelecimentos de saúde sobrecarregados e com a capacidade resolutiva altamente comprometida, desde a atenção básica até os níveis mais complexos, dada a novidade da doença e a óbvia inexistência de tratamento específico.

Tendo isso em vista, e considerando que até mesmo os fluxos de atendimento foram seriamente abalados pelo simples desconhecimento do comportamento da doença, tem-se a necessidade imperiosa e urgente de caracterizar essa patologia, no intuito de embasar diretrizes clínicas de diagnóstico, tratamento, seguimento e reabilitação dos pacientes acometidos desse novo agravo em saúde.

Um cenário que demanda a obtenção de informações em saúde embasadas em evidência científica o mais rápido possível determina, no entanto, um grave risco: que os direitos dos pacientes sujeitos das pesquisas sejam flexibilizados e até mesmo desconsiderados em nome da ciência.

Isso foi observado de modo concreto em várias situações relatadas no Brasil e no mundo. À título de exemplo, foi reportado por um grupo de médicos que prestavam serviços ao plano de saúde Prevent Senior, um dos maiores do Brasil voltados à população idosa, a realização de estudos clínicos com a utilização de medicamentos experimentais sem o consentimento dos pacientes.

Nesse sentido, é de se considerar de que forma o desenvolvimento dessas pesquisas pode ter implicações na esfera de direitos dos pacientes, especialmente no âmbito de uma ordem jurídica calcada no princípio da dignidade da pessoa humana. Tal consideração admite ainda maior importância tendo em vista que há na população brasileira uma miríade de grupos populacionais que, pelas suas próprias condições materiais de existência, já se encontram numa situação de terem suas esferas de direito claramente comprometidas, demandando em tese uma proteção ainda maior do Estado (pessoas de baixa renda, negros, indígenas, quilombolas, deficientes físicos, idosos, etc).

Assim, o presente trabalho pretende responder ao seguinte questionamento: qual o conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito da produção de conhecimento científico sobre a Covid-19, especialmente do ponto de vista dos grupos vulneráveis da população?

 

DESENVOLVIMENTO

 

A ideia de dignidade da pessoa humana, em sua acepção moderna, deve ter encontrado sua primeira formulação (ou ao menos a primeira a ser sistematizada) no filósofo alemão Immanuel Kant. Segundo o mesmo, ao ser humano, qualquer que seja, não se pode atribuir qualquer tipo de finalidade que não se encerre em si mesmo. Isso é, não se pode admitir que nenhum indivíduo seja manipulado ou utilizado para uma finalidade externamente imposta.

Essa dignidade enquanto princípio se manifesta e se materializa, no âmbito do ordenamento jurídico, por meio de dispositivos legislativos que normatizam uma série de direitos que emanam da garantia da dignidade a todos os indivíduos. A própria Constituição estabelece, em seu artigo quinto, o rol de direitos fundamentais atribuídos a cada cidadão, resumindo a natureza jurídica de cada um deles no caput ao dizer que todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Diante do que foi dito, não é difícil perceber que a principal implicação do princípio da dignidade humana no âmbito das pesquisas científicas é a consideração de que os participantes da pesquisa não são meros objetos de estudo, e sim sujeitos dotados de dignidade. Agora, diante do que se sabe que a Constituição estabelece sobre essa dignidade, é possível ir um pouco mais além na análise, explicitando de que modo as garantias fundamentais ao cidadão se materializam no âmbito da produção de conhecimento científico: porque tratar os sujeitos da pesquisa como dignos por si só implica, necessariamente, que nenhum dos seus direitos fundamentais pode ser violado, em nenhuma etapa do estudo a ser realizado.

Considerar que todos os sujeitos são igualmente dotados de dignidade não significa, no entanto, ignorar que a realidade concreta impõe a variados grupos populacionais uma série de obstáculos para a materialização desse princípio: é por conta disso que a própria efetivação da dignidade impõe ao desenvolvimento de pesquisas científicas um dever inafastável adicional, a saber, o de considerar os sujeitos na sua integralidade, concedendo a cada um o tratamento condizente com suas condições de vida.

 

RESULTADOS E IMPACTOS

 

O conteúdo normativo da dignidade inserido nas pesquisas científicas se traduz na necessidade imperiosa de se reconhecer que o desenvolvimento científico pode ser de grande benefício para a humanidade, no entanto considerando que tal desenvolvimento deve sempre buscar o bem-estar dos indivíduos, como reconhece em seu preâmbulo a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, no âmbito da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO. De fato, se é verdade o que Kant postulou, que a nenhum indivíduo pode-se atribuir finalidade para além de si mesmo, tem-se que a única justificativa eticamente plausível para o desenvolvimento de pesquisas utilizando seres humanos seja a materialização do melhor interesse desses próprios indivíduos.

Portanto, o respeito à dignidade da pessoa humana no âmbito das pesquisas científicas significa também, para além da efetivação de seus direitos fundamentais, que tais pesquisas devem ser sempre revertidas em benefício dos próprios sujeitos do estudo e, por extensão, para todo o gênero humano.

Isso deve apontar também para um conhecimento científico que leve a sério as condições concretas de cada um desses indivíduos, preocupando-se em conferir  a cada um deles um tratamento condizente com suas necessidades específicas – de modo que grupos populacionais vulneráveis encontrem respaldo para receberem cuidado em saúde baseado nas evidências que cooperaram para produzir. Isso significa efetivar a dignidade em toda a sua plenitude, ao considerar que a igualdade é sua consequência necessária.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O enfrentamento à Covid-19, doença que causou a maior pandemia do último século, demanda que a humanidade lance mão de todas as ferramentas do conhecimento científico que consiga reunir, em prol da prevenção, tratamento e recuperação de pacientes acometidos por esse agravo em saúde. Isso demanda, necessariamente, a aplicação dessas ferramentas na obtenção de informações em saúde baseadas em evidência científica. Isso, no entanto, só pode ser dar na exata medida em que é possível converter essas evidências em melhoria na saúde dos sujeitos da pesquisa, levando em conta que populações vulneráveis devem demandar políticas públicas específicas, se se pretende a efetivação da dignidade da pessoa humana em seus exatos termos. Tal é o conteúdo normativo desse princípio no âmbito  da produção de conhecimento científico.