Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-02-11
Resumo
A Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que 25 milhões de casos de envenenamento por agrotóxicos são registrados a cada ano no mundo, com cerca de 20 mil mortes. Segundo dados disponíveis no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), no período de 2011 a agosto de 2021 foram notificados 68.022 casos de intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola, doméstico e de saúde pública no Brasil.
Quanto às despesas com tratamentos, pesquisa revela que para cada dólar gasto com compra de agrotóxicos, U$ 1,28 seria gasto para o tratamento de intoxicações agudas no Sistema Único de Saúde (SUS). Tal valor, ainda desconsidera o tratamento de doenças crônicas, que são mais graves e cujo tratamento é mais dispendioso para o Estado.
As evidências científicas e os dados disponíveis, muitas vezes, não são suficientes para alertar sobre o grave problema de saúde pública que representam os agrotóxicos. Pois, a produção, uso e consumo de produtos baseados em agrotóxicos são organizados pela lógica dos agentes econômicos, que têm na comunicação midiática seu principal vetor de difusão. Sistematicamente, as narrativas empregadas na propaganda comercial e reportagens sobre o superavit do agronegócio, afeta nossos sentidos, de forma a amenizar os riscos à saúde e gerar uma paralisia de ação contrária ao problema.
As instituições de pesquisa e as Instituições de Ensino Superior (IES), têm um papel importante na produção de sentidos e de massa crítica para o enfrentamento dos problemas correlatos ao uso indiscriminados do agrotóxico no país. O enfrentamento inclui a compreensão sobre as repercussões desses produtos sobre a vida, na forma de adoecimento e morte de trabalhadores e consumidores, como também no envenenamento de espécies da fauna e flora, solos, ar e águas, comprometendo a biodiversidade dos ecossistemas
Diante do exposto, o objetivo deste artigo é analisar a inscrição da temática “agrotóxico e saúde” na matriz curricular do projeto político pedagógico (PPP) de curso da área da saúde de uma instituição de ensino superior da Amazônia Legal.
A pesquisa é de abordagem qualitativa baseada em análise documental cuja interpretação baseou-se em Análise de Conteúdo de Bardin (2004), categorizadas em três dimensões, conforme proposto pela teoria filosófica-política da pedagogia Histórica Crítica de Saviani (2017), a saber: (i) histórica; (ii) social; e (iii) epistemológica.
A área e a população de estudo foram, respetivamente, a Amazônia Legal e o curso da área de saúde de uma instituição do ensino superior, cuja identificação foi resguardada em virtude de questões éticas.
A pesquisa faz parte do projeto de iniciação científica desenvolvido no Laboratório Território, Ambiente, Saúde e Sustentabilidade da Fiocruz Amazônia que é apoiada pelo CNPq de CAE de N0 54180621.7.0000.5016
O plano de análise foi baseado nas três categorias da pedagogia Histórica Crítica de Saviani (2017), as saber: (i) histórica — consiste em desmontar a narrativa que orientou a construção PPP da área de saúde, no sentido de averiguar se o mesmo contextualiza (quando, como e em que contexto surgiram e se desenvolveram o problema de interesse) os desafios de produzir conhecimentos, práticas e atitudes sobre os agrotóxicos na Amazônia Legal. (ii) social — objetiva identificar no PPP da IES a que interesses ocultos o curso da área de saúde está a serviço e como justificam esses interesses. (iii) epistemológica — está orientada a desarticular a hegemonia teórica do projeto.
O Projeto Pedagógico de Curso também denominado de Projeto Político Pedagógico – PPP consiste em um documento que deve ser elaborado em consonância com o PPI e PDI, tendo em vista as especificidades da respectiva área de atuação a qual está relacionado. As políticas acadêmicas institucionais contidas no PPI ganham materialidade no PPP. Este é a referência das ações e decisões de um determinado curso em articulação com a especificidade da área de conhecimento no contexto da respectiva evolução histórica do campo de saber.
O Currículo é um dos elementos constitutivos do PPP que integram os processos de ensinar e de aprender num determinado tempo e contexto, garantindo a identidade do curso e o respeito à diversidade regional. Importante elemento da organização acadêmica, construído coletivamente, tendo como orientação básica as Diretrizes Curriculares Nacionais. O aperfeiçoamento do currículo deve considerar, também, os resultados dos processos da avaliação.
A análise da categoria histórica do PPP revelou que a justifiça de criação do curso, primeiramente, teve como proposito promover [...] “maior fixação desses profissionais no interior”, “pretendendo assim garantir um melhor retorno e fixação desses profissionais nos municípios de origem dos acadêmicos” [...], inclusão social e inclusão educacional na Amazônia Ocidental.
Secundariamente, são descritos dados socioeconômicos da região como “oportunidades excepcionais” da fronteira econômica da região para atuação dos egressos. A região onde está localizada a maior floresta tropical do mundo a serviços é apresentada como comodities, pois é detentora das mais “amplas reservas minerais e gás/petróleo; ecoturismo; plantas medicinais, especiarias, oleaginosas, fruticultura tropical; e pescados.
A análise da categoria epistemológica afirma que o PPP está orientado para uma,[...] “compreensão do conceito ampliado de saúde [...] que dê conta dos [...] “questionamentos, crises, tais como; transição epidemiológica e demográfica, autocuidado das pessoas, autonomia do usuário, rapidez da produção e obsolescência do conhecimento” [...], e sobretudo, [...] “dê conta da atenção aos indígenas e outras minorias, e questões de natureza religiosa, além de práticas distintas em saúde”.
A análise dos conteúdos das 48 ementas revelou ausência do termo e pouca visibilidade que outros temas/assuntos correlatos aos agrotóxicos: (i) Uma ou mais vezes citadas: Sistema Único de Saúde; Amazônia ou Amazônica; Saúde Ambiental; Sistema de Informação em Saúde; Saúde Coletiva; Condições (de vida); Hábito (de vida) ; Neurológico; Hepatologia; (ii)_nenhuma vez citado: Agrotóxicos, Intoxicação ou Toxicologia; Saúde do Trabalhador ou doenças ocupacionais; Sociologia rural ou Antropologia; e Vulnerabilidade.
Palavras-chave: Agrotóxico, Saúde, Amazônia Legal