Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Experimentações Etnográficas com o Brincar na Infância em Situação de Rua
Vitória Silva de Aragão, Leilson Lira de Lima, Maria Rocineide Ferreira da Silva, Elenice Araújo Andrade, Ana Camila Bezerra de Sousa Silva

Última alteração: 2022-02-23

Resumo


Introdução

Crianças em situação de rua são consideradas como aquelas que romperam ou tem vínculos familiares fragilizados e que fazem da rua seu espaço de morada ou pode ainda se considera aqueles que passam maior parte do dia na rua, sejam trabalhando ou como pedintes, fazendo desse espaço seus meios de sobrevivência, de troca de afetos, de brincadeiras, de dormir e sobreviver.

Visto que o brincar perpassa todas as classes e está presente no cotidiano de todas as crianças, seja esse realizado com os mais modernos brinquedos ou utilizando o próprio corpo e o espaço onde estão para se expressarem e transmitirem sentimentos e exercitando seus talentos intelectuais, emocionais e explorando o seu psíquico por meio de suas brincadeiras, jogos e brinquedos. O brincar tem parte fundamental no desenvolvimento cognitivo das crianças e no entendimento do cuidar.

Com isso, o brincar das crianças em situação de rua envolve seus processos vida, suas vulnerabilidades e o seu contexto na rua. Sendo assim, identificar como o brincar se faz presente na vida dessas crianças e como ele é expresso revelam suas experiências vividas, sentimentos e é parte do seu desenvolvimento. Com isso, este estudo descrever como o brincar se apresenta para as crianças em situação de rua.

Metodologia

Trata-se de um estudo qualitativo, com a utilização da etnometodologia. Dessa maneira, realizou-se uma aproximação etnográfica a fim de compreender os modos de brincar das crianças em situação de rua levando em consideração os fatores sociais e culturais do meio em que estas estão submersas.

A imersão etnográfica se deu entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021 e teve como cenário a Praça do Ferreira, situada na Cidade de Fortaleza/Ceará, tal necessário foi escolhido devido ser um dos locais que mais reuni pessoas em situação de rua. Durante a imersão foi observadas meninos e meninas com idades entre 3 e 8 anos de idade. Como registro dos dados oriundos da imersão etnográfica, utilizou-se um diário de campo. A pesquisa teve aprovação do comitê de ética em pesquisa e não ocorreu a identificação dessas crianças e nem registro de suas falas ou quaisquer características que os identifique.

Resultados

De modo geral, foi possível observar que embora essas crianças em situação de rua estejam em diversas vulnerabilidades sociais e econômica, elas fazem dessa praça seu espaço, onde brincam, comem, dormem, vendem algumas mercadorias e pedem  dinheiro algumas vezes. Também, percebeu que a maioria estava acompanhada dos pais e que muitas vezes elas replicam os gestos dos adultos, talvez como forma se defenderem dos outros, do espaço e como forma de sobreviver.

Em uma das observações foi possível perceber uma criança que deixou de lado seu instrumento de “trabalho” (balas, chicletes e até seu dinheiro) para correr atrás de outra criança que segurava uma bola, ambas fazendo da rua seu espaço de brincar e sobreviver. Ao conseguir a bola ele volta pega seu instrumento e volta ao trabalho. A criança, portanto, se percebe dividida entre a infância e a sobrevivência e necessidade de trabalho: a infância marcada por aquela bola e a sobrevivência marcada pelos seus instrumentos de trabalho que a faz ganhar dinheiro para sobreviver e às vezes até mesmo para conseguir que sua família tenha algo ao fim do dia. Nesse sentido, há uma infância caracterizada pela responsabilidade do dinheiro, do “trabalho” e ao mesmo ser se redireciona pelo desejo de brincar.

Outra observação feita foi de duas crianças em um cercado que fica em volta das árvores brincando e criando com sua imaginação. Os dois garotos brincavam de “carrinhos” feitos de caixas, as mesmas caixas que guardavam seus chicletes para venda. A caixas, que passaram a ser “carrinhos”, transformam o mágico que simbolizam as experiências do criar e do brincar, bem como socializam e revelam como é ser criança no espaço das ruas. No cotidiano da rua, para esses crianças é possível esquecer um pouco o que as cercam e as fazem mergulha no mundo das brincadeiras, resignificando aquele espaço de fragilidades.

Também foi possível percebe que em alguns momentos essas crianças são tratadas como adultos, como na hora da alimentação. Neste momento, elas devem seguir a mesma fila dos adultos e, em certos, momentos elas deixam de lado suas brincadeira para irem pedir dinheiro às pessoas que transitam pela praça.

Embora tenha observado essas interações também foi possível perceber o quanto algumas crianças são carentes de atenção. Algumas, inclusive, não sabem dividir um livro e que quando um adulto se aproxima delas para realizar alguma atividade, elas querem atenção exclusiva. Também foi notado que, embora estamos no meio de uma pandemia, os cuidados de higiene são mínimos.

Em meio a tudo isso foi possível perceber como a rua se caracteriza para esses meninos e meninas como um espaço de troca de afetos, ganho de vida, educação e que essas crianças permanecem em constante movimentação nesse espaço, brincando, crescendo e se desenvolvendo em meio às dificuldades e pobreza, fazendo desse espaço seus múltiplos meios de viver e sobreviver e brincar.

Conclusão

Desta forma, posso olhar a rua como um cuidado invertido diante da singularidade de cada criança que podem reconfigurar esse espaço para garantir um cuidado mútuo com elas e como sua família, fazendo da rua um espaço de sobrevivência, troca de cuidado, ajuda, respeito, liberdade e encontrando ali o lugar para seu o desenvolvimento e suas formas de vida em meios suas brincadeiras, trabalho e procura de alimento.

Foi possível perceber ainda que embora essas crianças estejam em condições de fragilidade social, elas ainda conseguem brincar, conseguem se desprender dessa rua e imaginar e criar suas brincadeiras com o pouco que tenham. Embora sejam tratadas como adultos, elas ainda expressam suas brincadeiras, pelas suas imaginações que são seres que precisam do brincar, que estão em desenvolvimento, que replicam o que aprendem com os mais velhos e que acima de tudo necessitam de espaço de convivência de brincadeiras e de afetos.