Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Relatos de parteiras tradicionais no acolhimento à saúde materno-infantil durante a pandemia Covid-19
Maria Cecilia Rosinski Lima Gomes, Maria Mercês Bezerra, Maria das Dores Marinho Gomes, Rafaela Dias Lopes, Tabatha Benitz, Tabita dos Santos Moraes, Maria Lucimar Pereira Vale, Dávila Suelen Souza Corrêa

Última alteração: 2022-02-11

Resumo


Desde o início da pandemia de Covid-19, em 2020, o sistema público de saúde esteve sobrecarregado de atendimentos emergenciais, com acometimento da população em geral e dos próprios profissionais de saúde. No Estado do Amazonas, a situação esteve crítica principalmente de abril a maio/2020 e de dezembro/2020 a fevereiro/2021. As ondas de contaminação começaram na capital Manaus e se disseminaram para o interior do Estado. Nesta situação, a promoção de saúde materno-infantil ficou prejudicada, bem como outras ações do serviço de saúde. Atendimentos de pré-natal e exames foram cancelados em alguns períodos e as gestantes eram recomendadas ao distanciamento social, buscando o atendimento apenas em casos urgentes. Com isso, a atuação das parteiras tradicionais revelou-se a solução para o amparo às gestantes. A partir deste contexto, este trabalho teve como objetivo relatar sob o ponto de vista das parteiras tradicionais qual foi o papel delas no atendimento às gestantes nas cidades e comunidades rurais no Médio rio Solimões, Amazonas, durante a pandemia. As informações e relatos usados foram obtidos em entrevistas com quatro parteiras tradicionais, realizadas em 2021 e 2022. Essas parteiras exercem o ofício há mais de 20 anos e são reconhecidas como lideranças nas suas comunidades e mantém moradia na cidade e na comunidade, por isso foram escolhidas para participar do estudo. Foram questionadas se houve mudança na sua forma de trabalho durante a pandemia e se houve aumento ou redução no número de atendimentos. Dados relativos ao número de partos nos municípios foram solicitados às Secretarias de Saúde de Alvarães e Uarini. As parteiras entrevistadas informaram ter vivenciado maior procura de gestantes para o acompanhamento da gestação e parto. Mesmo quando estão residindo temporariamente nas cidades, elas têm sido procuradas por moradoras do interior e da área urbana. A parteira Margarida, ex-moradora rural de Maraã e atual moradora de Tefé, relata que é muito procurada principalmente por mulheres das comunidades da região onde morava. Durante a pandemia, informa que as mulheres declaravam medo de serem contaminadas durante o parto no hospital. Ela assiste aos partos na sua própria casa ou na casa de parentes das gestantes e entre 2020 e 2021, realizou 10 partos. Outra causa relatada pelas parteiras para a busca pelo parto domiciliar neste período foi a mudança no procedimento de atendimento das gestantes. A presença de acompanhantes não foi permitida e menos atenção era oferecida às pacientes. A alta do hospital era recebida em pouco tempo, geralmente no dia seguinte ao parto. Segundo Rosa, parteira da comunidade Deus é Pai e presidente da Associação das Parteiras Tradicionais do Amazonas Algodão Roxo (APTAM), muitas vezes a mulher ainda não estava preparada para “tomar um banho sozinha”, por exemplo, e precisaria de mais cuidado, mas o hospital não tinha condições de oferecer. Rosa relata que, em 2020, as gestantes das comunidades eram orientadas por profissionais da atenção básica de saúde a terem filhos em partos domiciliares assistidos por parteiras tradicionais, caso o pré-natal indicasse um parto sem complicações. Ela assistiu nove partos durante a pandemia. A Secretaria Municipal de Saúde de Tefé recomendou, por meio dos agentes comunitários de saúde (ACS) que as parteiras evitassem levar gestantes para o parto no hospital de Tefé, em que pese a gravidade de sua situação. Tal recomendação tornou ainda mais desafiador esse trabalho das parteiras, que recorreram aos recursos que dispunham localmente para preservar a saúde de mães e filhos. Apesar disso, as parteiras em Tefé receberam incentivo por parte dos profissionais, incluindo ACS, enfermeiras e médicos da Unidade Básica de Saúde Fluvial. Esta mesma tendência foi observada nos municípios vizinhos Alvarães e Uarini. Assim, para Rosa, a pandemia trouxe uma mudança positiva. Um exemplo foi a alteração no documento de registro de parto domiciliar. A nova versão inclui campos de preenchimento para as parteiras anotarem medidas dos recém-nascidos, além da assinatura da parteira como responsável pelo parto, de testemunhas e ACS. Para a parteira Jasmim, a mudança também foi importante, pois a partir dela a parteira passou a assinar a ficha de nascimento. Ela reside na comunidade Bacuri e relata que atende partos o ano todo. Girassol, também representante da APTAM, informa que a mudança neste documento aconteceu com contribuição da Associação, que participou de reuniões em Manaus com a Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas e Fiocruz, a respeito da importância da adequação do registro de nascimento para os partos domiciliares. Para a parteira Amarílis, com larga experiência, houve aumento de grávidas que desejavam ter partos atendidos por ela. Além de maior procura para pegar a barriga (técnica para confirmar a gravidez e para identificar o sexo e a posição do bebê no ventre da gestante), conversar e buscar outras orientações. Amarílis reside tanto na cidade de Alvarães quanto na comunidade Vila Alencar. Nos dois locais, ela é uma parteira de referência e nos anos de 2020 e 2021 atendeu oito partos. Para as parteiras, a busca pelo parto domiciliar já vinha se fortalecendo desde 2010. Rosa relata que neste ano houve o registro de alta mortalidade materna e neonatal no Hospital Regional, o que gerou medo nas gestantes que passaram a procurar mais as parteiras. As gestantes recorreram às parteiras inicialmente “como acompanhantes de consultas e partos. Com o tempo, voltaram a se sentir seguras com as parteiras e passaram a confiança umas às outras”. Este reconhecimento também é resultado do trabalho das instituições, com realização de encontros e capacitações com parteiras, que gerou valorização e autoconfiança sobre seu trabalho. Apesar das conquistas, as parteiras informam que os municípios poderiam contribuir com fornecimento de materiais básicos utilizados no parto, como luvas, álcool, clamp e tesoura. As parteiras mais próximas de ACS e aquelas residentes em Tefé e Alvarães, geralmente possuem maior facilidade de receber estes materiais, porém muitas ainda carecem de apoio. A análise dos dados oficiais fornecidos pelos municípios de 2010 a 2021 revela que ainda não é possível afirmar a tendência geral de aumento do percentual de partos domiciliares. Um aumento foi observado para Alvarães, onde o percentual de partos domiciliares em relação ao total de partos foi 1,5% em 2010 para 6,6% em 2021 (total 4031 partos no período). Em Uarini, os dados mostram redução de 12,1% em 2010 para 1,7% em 2021 (total 3559 partos no período). Existe subnotificação nos registros. Ainda são necessários um conjunto maior de dados para aprofundamento da análise dos efeitos da pandemia na estatística de partos. Por outro lado, pode-se afirmar que os partos domiciliares no período levaram a uma melhor experiência de parto para a gestante, tanto pelo atendimento humanizado das parteiras, quanto devido às condições oferecidas pelos materiais cedidos pelas prefeituras. A partir dos relatos observa-se a relevância do papel das parteiras no atendimento humanizado de saúde durante a pandemia de Covid-19. A situação dramática estabelecida em 2020 e 2021 demonstraram a importância da integração das parteiras tradicionais com o serviço público para a promoção da saúde materno-infantil. O apoio das secretarias de saúde foi importante, com a doação de materiais para os atendimentos. Porém esse acesso ainda necessita ser facilitado e reconhecido em todos os momentos, não somente em casos extremos. O ACS teve papel fundamental, como articulador entre grávidas e parteiras, estabelecendo elo entre o conhecimento tradicional e o serviço de saúde.