Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Saúde mental é cidadania: um relato de experiência de gestão em saúde na Rede de Atenção Psicossocial em Belém/PA
Ester Maria Oliveira de Sousa, Samantha Hanna Seabra Castilho Simões, Izabela Maria Costa Negrão, Márcio Mariath Belloc

Última alteração: 2022-02-14

Resumo


Apresentação: Ao longo das últimas gestões do governo municipal de Belém, a política pública de saúde mental álcool e outras drogas vivenciou um processo de desmonte com sérias consequências negativas ao acesso ao cuidado em saúde mental. O cenário que se apresentou continha os 04 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) sucateados, sem a devida capacidade de atenção garantida, somada a ausência de fomento para implantação de serviços que completam o processo de cuidado como a reabilitação psicossocial e serviços residenciais terapêuticos. Considerando a necessidade de fortalecer e ampliar respostas ao cuidado no campo da saúde mental, álcool e outras drogas, bem como o contexto decorrente das consequências da pandemia da COVID-19, a Referência Técnica de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (RT Mental), em conjunto com as Referências de: Populações Vulneráveis; Humanização; Práticas Integrativas Complementares (PIC); Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT); e Consultórios na Rua (CNAR), amparada nos pressupostos e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), em conformidade com a Lei Federal n° 10.216, de 6 de abril de 2001, organizou a linha de cuidado para atenção psicossocial em álcool e outras drogas em Belém, prioritariamente para garantir atenção à população em situação de rua e com sofrimento mental. Com a crescente onda de sofrimento advindo da pandemia da COVID-19, em fevereiro/21 a Prefeitura de Belém foi convidada a atuar no Plano de Contingência da COVID-19, através da Secretaria Municipal de Saúde (SESMA) e da Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA), junto ao Governo Estadual do Pará, representado pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA) e pela Secretaria do Estado de Assistência Social - Trabalho, Emprego e Renda (SEASTER). Sendo assim, este estudo objetiva compartilhar a experiência da gestão em saúde na articulação de estratégias para a garantia da reabilitação psicossocial voltada à população em situação de rua do município de Belém. É relevante destacar que tal estratégia está pautada pela garantia de acessos às redes intersetoriais, pelos direitos humanos e pela construção e fortalecimento da cidadania. Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um relato de experiência, organizado a partir de uma abordagem qualitativa e descritiva. A ação ocorreu nos chamados Abrigos-Escolas, ambientes voltados para o acolhimento e cuidado à população em situação de rua. Imersos nessa experiência, os serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) realizaram acompanhamento durante 04 meses diuturnamente junto a esses abrigados. As linhas de cuidados prioritárias foram o fortalecimento de vínculos interpares e abordagens sensíveis às diferentes condições dos sujeitos. Tais estratégias de cuidado contemplaram a construção de Projeto Terapêutico Singular (PTS), clínica da memória, transculturalidade, vinculação familiar e tantas outras voltadas ao cuidado integral à saúde, como garantia de vacinação e rastreamentos de agravos à saúde. Após 03 meses, frente a real possibilidade de fechamento do abrigo nos próximos 30 dias, iniciou-se intenso processo de discussão de saídas possíveis para aqueles sujeitos que se permitiram continuar no cuidado e permaneceram abrigados, entre tantos que se foram ao longo do processo. A equipe envolvida no cuidado nos abrigos apontando a real necessidade de se fazer urgente e necessário garantir a tão propagada reabilitação psicossocial, a qual consiste em um processo de reconstrução, exercício da cidadania e contratualidade em habitat, trabalho e rede social. Em Junho/21, a saída encontrada pela gestão de saúde municipal para concretização dessa estratégia de reabilitação foi a inclusão de um grupo de 10 usuários no Processo Seletivo Simplificado – PSS da SESMA, com inscrição para o cargo de Agente de Bem Estar Social (ABES), que desta forma poderia ser garantido recurso financeiro para a manutenção de seus projetos de vida, incluindo moradia, alimentação, trabalho e renda mensal. A equipe da RT de Saúde Mental foi para os abrigos ajudar os usuários a fazerem suas inscrições, coletando documentos necessários, construindo os currículos e preenchendo os formulários de inscrição pela internet no prazo estipulado pelo edital. Em agosto/21, exatamente às véspera do Dia Nacional de Luta da Pop Rua (19/08), os novos ABES da SESMA assinam o Contrato de Trabalho com a SESMA, por um período de 01 ano prorrogável por mais 01. Resultados e/ou impactos: A partir desse momento, concretiza-se o início de uma nova estratégia de cuidado na RAPS de Belém: a reabilitação psicossocial está em curso. E com ela uma inovadora proposta de garantir moradia com acompanhamento para aqueles que não possuíam teto para morar. A concretização de vínculo de trabalho representou possibilidade de desfrutar da condição de cidadania: ocupar um lugar social não delimitado pelos diagnósticos e estigmas. Com o recurso de seus proventos mensais, os novos ABES puderam alocar imóveis para morar, alguns em dupla e outros individualmente, mas sendo acompanhados pela equipe da RAPS em seus novos PTS. Um jeito ousado de criar possibilidade do habitar em serviços residências terapêuticos fora dos padrões convencionais, mas que seguramente abriga cada um em sua singularidade objetiva de vida. Uma intensa revolução ocorreu na condição de vida dessas pessoas. Num esforço intensivo, passaram por um percurso formativo dentro das políticas de saúde que compõem a SESMA, conhecendo a rede de saúde e as estratégias de cuidados do Sistema Único de Saúde dentro do município de Belém. Logo, saíram do lugar de situação de rua e passaram a ocupar espaços de cuidados com trocas afetivas e protetoras - potentes laços sociais: ao mesmo tempo que cuidam de outros, também são cuidados. Não são apenas usuários da RAPS/SUS, mas agentes que realizam atenção em saúde a outros usuários da RAPS/SUS. Considerações finais: A SESMA deu um grande passo no processo de garantia de ampliação do cuidado em saúde mental, mesmo dentro de um contexto pandêmico e com pouco investimento. A ideia foi lançada: configurar saídas possíveis para o grave processo de desinstitucionalização (serviços residenciais terapêuticos) e reabilitação psicossocial para pessoas em sofrimento mental frente a ausência de recursos financeiro/orçamentário. Através da inclusão de aluguéis interpares e/ou individualmente acompanhados pelas equipes da RAPS. Os ABES continuam sendo acompanhados em seus respectivos PTS, realizando o cuidado em liberdade, nessa mão dupla de cuidado trilham caminhos para cidadania plena.