Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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DA PRÁTICA REAL AO CUIDADO IDEAL: ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM OBSTÉTRICA EM UM HOSPITAL SITUADO ÀS MARGENS DA TRANSAMAZÔNICA
Oracio Carvalho Ribeiro Júnior, Tayane Moura Martins, Rodiney Silva da Costa, Semírames Cartonilho de Souza Ramos, Maria Suely de Sousa Pereira

Última alteração: 2022-02-25

Resumo


Apresentação: A atenção ao parto e nascimento no Brasil foi marcada por intensas modificações ao longo da história. Em meados do século XX, com a ampliação e consolidação das escolas de medicina, ocorreu de maneira exponencial a institucionalização da assistência ao parto no país, com um modelo de atenção centrado no saber das tecnologias duras e no profissional médico, com retirada da autonomia feminina e intensa medicalização do corpo da mulher, fato que trouxe consigo intensa patologização, fragmentação e despersonificação deste momento da vida da mulher. Desde então, o parto passou a ser caracterizado de um processo natural e fisiológico, para um processo patológico, com amplas e desnecessárias intervenções, fato que tornou a cesariana como a principal via de nascimento nos serviços de atenção obstétrica no Brasil desde o ano de 2009. Diante deste cenário, a partir da década de 1980 surgiram os primeiros movimentos de mulheres, que, junto ao Ministério da Saúde (MS) e profissionais ligados à saúde baseada em evidências começaram uma campanha de lutas pelos direitos das mulheres à uma atenção ao pré-natal, parto e nascimento e planejamento reprodutivo que pudesse ser segura, livre de danos e que respeitasse o protagonismo da mulher. Estes movimentos se entrecruzaram com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil e garantiram que os princípios da universalidade, integralidade e equidade pudessem ser a base fundamental para a organização da rede de atenção materno-infantil no país. Destes desdobramentos surgiu em 2001 o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) que tinha como finalidade a expansão dos serviços de atenção ao pré-natal, parto e nascimento e capacitação dos profissionais de saúde para atuarem nesta linha de cuidado. Posteriormente em 2004 é compilada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) que abarca todos os programas e projetos voltados à saúde da mulher até então em andamento no contexto brasileiro. A criação da PNAISM possibilitou a ampliação do alcance das ações às mulheres pertencentes às denominadas camadas vulnerabilizadas. Por fim, em 2011 o MS cria o Programa Rede Cegonha (RC), como resposta aos indicadores de atenção perinatais nacionais, ainda, mostrando uma assistência deficitária. Este programa tem por finalidade a construção e consolidação de um modelo de assistência ao parto e nascimento centrado nos princípios da humanização, com a capacitação e presença do enfermeiro obstetra na condução dos partos de risco habitual, construção dos Centros de Parto Normal (CPN) e implementação de boas práticas obstétricas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Porém, estudos de abrangência nacional como a pesquisa nascer no Brasil apontou que mesmo após a implementação da RC menos de 50% das mulheres brasileiras tiveram acesso às boas práticas obstétricas e um elevado percentual sofreu intervenções desnecessárias, com maiores proporções na região norte do país. Seguindo essa linha de raciocínio, vários outros estudos mostram que essa forma de fazer o cuidado obstétrico à margem das evidências científicas acontece, sobretudo, em municípios de pequeno e médio porte e tem como atores enfermeiros obstetras. Assim este estudo tem por objetivo relatar a experiência de um enfermeiro obstetra sobre as práticas observadas no cotidiano de cuidado de uma clínica obstétrica situada em um hospital às margens da transamazônica. Descrição da Experiência: A experiência relatada diz respeito às observações realizadas durante o ano de 2019 na clínica obstétrica do Hospital Geral de Altamira São Rafael, situado na cidade de Altamira-Pará. A clínica em tela é composta por uma sala de triagem e admissão obstétrica, 10 leitos de pré-parto, 02 salas de parto e 17 leitos de alojamento conjunto. A equipe é composta por 08 enfermeiros obstetras e 15 técnicos de enfermagem distribuídos em plantões diurnos e noturnos. No que concerne ao processo de trabalho, observa-se que as mulheres que chegam no hospital com alguma queixa, seja obstétrica ou clínica, não recebem a classificação de risco de Manchester, pois a mesma não existe implantada na unidade. As pacientes têm uma ficha de admissão preenchida com seus dados de identificação e em seguidas são direcionadas para a clínica obstétrica. Na clínica obstétrica são atendidas pela equipe de enfermeiros obstetras de plantão que fazem a avaliação da mesma e caso tenham algum critério clinico-obstétrico e risco na gestação ou estão em trabalho de parto, são internadas pelo enfermeiro e pelo técnico de enfermagem, sendo somente passado para o médico obstetra plantonista os casos de emergência obstétrica. Uma vez internadas, todas a pacientes são conduzidas para a realização do acesso venoso periférico que é obrigatório na unidade e em seguida são encaminhadas para algum dos leitos disponíveis para internação, tendo a avaliação obstétrica feita pelo enfermeiro a cada duas horas, assim como, a ausculta dos batimentos cardiofetais feita pelos técnicos de enfermagem também no mesmo intervalo de tempo. Na unidade somente são permitidos acompanhantes do sexo feminino durante todo o período de internação, não há a utilização do partograma para o acompanhamento das parturientes, a maioria absoluta dos partos são conduzidos com as mulheres em posição litotômica deitadas em mesas ginecológicas, coma a utilização de episiotomia de rotina, mesmo em parturientes multigesta, com utilização de rotina de ocitocina no soro durante o período expulsivo e, muito comumente realizada a manobra de Kristeller durante a fase final do período expulsivo. Após a expulsão do feto não há contato pele a pele imediato e o clampeamento do cordão umbilical é realizado de forma imediata e o recém-nascido logo conduzido à mesa de reanimação para os cuidados de rotina em sala de parto. Após a dequitação placentária as puérperas são avaliadas quanto a necessidade de rafia de laceração perineal ou episiorrafia e na sequência são encaminhadas para o alojamento conjunto com seus neonatos. No alojamento são avaliadas diariamente pelo médico obstetra visitador e pelo enfermeiro plantonista e após o período de 48h após o parto normal e 72h da cirurgia cesariana se não for observada nenhuma intercorrência, mãe e filho têm alta hospitalar, onde são entregues o cartão de pré-natal, a via da declaração de nascido vivo e os exames trazidos pela paciente que são anexados no prontuário. Pontua-se que não há nenhuma atividade de educação em saúde e nem é feita a contrarreferência para a finalização do pré-natal na unidade básica de saúde. Importante destacar que essa assistência tem como ator principal o enfermeiro obstetra. Impactos: A elocubração em tela mostra um claro desalinhamento entre as ações previstas no PNAISM e nos programas e projetos derivados dessa política, além de evidenciar uma atuação totalmente inautêntica e não afeta dos enfermeiros obstetras cuidado obstétrico baseado em evidências que tem sido a principal bandeira de luta destes profissionais no Brasil. Além disso, traz-se à tona um cenário claro onde acontece uma diversidade de ações no escopo da violência obstétrica e neonatal, além do descumprimento da lei federal do acompanhante que prevê um acompanhante de livre escolha da mulher. Considerações Finais: E experiência em tela relatada mostra um cenário de descaracterização do papel do enfermeiro obstetra no contexto do parto e nascimento, fato que vai de encontro às lutas empenhadas por estes profissionais no país por sua inserção nos contextos assistências, afim de garantir uma assistência segura e respeitosa à mulher e sua família, tornando-se urgente a modificação deste cenário pelas vias já bem delineadas em nosso meio.