Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Formação de Agentes Populares de Saúde junto ao Movimento Sem Terra da Paraíba: o povo cuidando do povo
Felipe Proenço de Oliveira, Dilei Aparecida Schiochet, Luciano Bezerra Gomes, Sarah Barbosa Segalla, Filipe M. S. Cabral, Lucas Lobo Alcântara Neves, Sarah Costa da Silva Mangerotti, Paulo Romário de Lima

Última alteração: 2022-02-23

Resumo


A pandemia de Covid-19 tem promovido importantes impactos danosos na vida das pessoas de todo o mundo, especialmente em países como o Brasil, em que a pandemia incide num período em que o governo federal é conduzido por dirigentes políticos sem compromisso com a defesa da vida e com a garantia dos direitos sociais.

Não obstante tal situação, algumas iniciativas dos movimentos sociais conseguiram fortalecer laços de solidariedade e produzir outras modalidades de cuidado, mesmo com as dificuldades impostas pela Covid-19. Uma dessas iniciativas, realizada no estado da Paraíba, Brasil, denominou-se por campanha Mãos Fraternas. Esta é uma iniciativa realizada por meio de uma uma parceria entre pequenos agricultores, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da Paraíba (MST-PB) e o Ministério Público Federal, e que levou a doação de grande volume de alimentos a famílias paraibanas em situação de intensa vulnerabilidade social, bem como à implementação de Cozinhas Solidárias, mantidas com apoio de alguns parlamentares, instituições governamentais e organizações da sociedade civil. Dentre as ações desenvolvidas pela campanha “Mão Fraternas”, no estado da Paraíba, sob o lema “O Povo Cuidando do Povo!”, se deu a formação e atuação de dezenas de Agentes Populares de Saúde (AgPopS).

Ainda num momento em que se conhecia relativamente pouco sobre a Covid-19, e que não se tinham desenvolvido medidas como a vacina, o MST-PB mobilizou integrantes do núcleo paraibano da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, professores e médicos residentes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), bem como militantes de outras organizações, como o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e Levante Popular da Juventude, para que se formasse e organizasse o trabalho de AgPopS na Paraíba. Por meio dessa articulação, foram formadas mais de 50 pessoas nas periferias urbanas e em áreas rurais de cidades de diferentes regiões do estado. Os autores deste trabalho foram os responsáveis diretos pela realização de tal formação junto aos militantes do MST-PB, que atuam em áreas de luta pela reforma agrária em assentamentos, pré-assentamentos e acampamentos, e que apresentamos a seguir mais detalhadamente como se deu tal processo.

O planejamento da formação se deu no primeiro semestre de 2020, em oficinas em que: 1. compartilhamos conhecimentos sobre a Covid-19, tanto os oriundos de publicações científicas como as de base popular provenientes das experiências vivenciadas pelas pessoas que atuam no movimento social; 2. analisamos a evolução da pandemia na Paraíba; 3. adaptamos para a realidade dos territórios em que atuaríamos alguns materiais didáticos que vinham sendo compartilhados por outros movimentos, como o Caderno “Agentes Populares de Saúde: ajudando minha comunidade no enfrentamento da pandemia de Covid-19”, elaborado por colegas do vizinho estado de Pernambuco, no âmbito da Campanha Nacional Periferia Viva e da Campanha Mãos Solidárias; 4. organizamos a logística necessária para a realização da formação em diferentes localidades. Com isso, elaborou-se a proposta pedagógica e mobilizaram-se as pessoas e os recursos necessários para realização da formação inicial dos AgPopS.

A primeira atividade pública do Projeto se deu em 12 de agosto de 2020, por meio de uma aula inaugural realizada por meio remoto e transmitida ao vivo na plataforma YouTube. Este momento foi mediado pela Coordenadora Estadual do MST, Dilei Schiochet, e contou com a participação de Paulette Cavalcanti, pesquisadora da Fiocruz-PE e professora da Universidade de Pernambuco e uma das responsáveis pela formação e atuação dos AgPopS em Recife, do secretário executivo de Gestão da Rede de Unidades de Saúde do Estado da Paraíba, Daniel Beltrammi e do professor da UFPB, Felipe Proenço.

Após esta atividade, iniciou-se a formação diretamente nos territórios. O curso foi estruturado em três módulos, com encontros presenciais de um dia em cada um deles intercalados por atividades de dispersão. O primeiro módulo abordou mecanismos de transmissão e medidas preventivas individuais e coletivas para a Covid-19. O segundo módulo focou nas medidas de isolamento, autocuidado além de como e quando procurar os serviços de saúde diante de sintomas sugestivos da doença. E o terceiro módulo trabalhou a saúde na sua interdependência com outras temáticas, como a garantia do direito à terra, à moradia, à educação, ao saneamento, à cultura, à alimentação, entre outros.

A perspectiva pedagógica que orientou o projeto foi a da Educação Popular em Saúde, de matriz freireana. Assim, os encontros foram momentos em que compartilhamos conhecimentos e sentimentos sobre a vida em meio à pandemia. Também, em que compartilhamos conhecimentos sobre o uso de plantas medicinais, a reflexão sobre a situação política nacional e os desafios para se resistir aos ataques desencadeados contra os movimentos sociais, entre outros temas. Bem como, dado que nas atividades de dispersão realizadas entre os encontros presenciais os participantes da formação já eram orientados a iniciarem sua atuação de AgPopS nas localidades em que viviam, serviram para compartilhar e problematizar a experiência realizada em cada local.

O participantes foram agregados em grupos de três regiões: Litoral, Campina Grande e Sertão. E celebramos a formatura dos Agentes, em dezembro de 2020, com uma atividade virtual em que, além de alguns participantes da aula inaugural, se contou ainda com a presença de João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST, e de Maria de Jesus, coordenadora do setor de Educação do MST Ceará.

Ao longo do ano de 2021, desencadeou-se outra etapa desse Projeto. Com os Agentes já formados e atuando em seus territórios, foram realizados diversos encontros para promover a educação permanente dos mesmos, novamente em momentos presenciais, realizados com intervalos de cerca de dois meses entre cada encontro. Essas atividades foram importantes não apenas para troca de conhecimentos, mas para adaptar o trabalho que vinha sendo desenvolvido às mudanças que se tinha tanto da evolução da epidemia, como em virtude da presença de novas tecnologias para enfrentar a Covid-19, como a vacina, que levavam a modificações nos objetivos do trabalho dos Agentes junto às famílias.

A análise em profundidade dos efeitos desta experiência demandaria pesquisas que não estão no escopo deste relato de experiência. Porém, é possível afirmar que: 1. o trabalho dos Agentes contribuiu sobremaneira para que as famílias por eles acompanhadas pudesse passar por esse período sendo melhor cuidadas; 2. a formação e atuação dos Agentes permitiu que conhecimentos populares e científicos dialogassem, circulassem e se disseminassem de maneira mais potente entre os militantes do MST-PB e entre os demais envolvidos na formação; 3. a atuação dos Agentes nos territórios não apenas fortaleceu o papel do MST-PB junto a suas bases, como promoveu a emergência de novas lideranças populares em cada localidade; 4. o próprio setorial de saúde do Movimento, que na Paraíba encontrava dificuldades em desenvolver uma atuação sistemática e capilarizada, foi revitalizado por meio da atuação dos Agentes Populares, dando uma nova centralidade à pauta da saúde no MST-PB; 5. a relevância da iniciativa foi reconhecida pelas forças políticas do estado, e essa iniciativa foi contemplada com emenda parlamentar de Deputado Federal da Paraíba, garantindo a continuidade e o fortalecimento da formação e atuação de mais Agentes Populares na Paraíba a partir do ano de 2022.