Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O uso de ferramentas analisadoras no trabalho em saúde: proposições e vivências a partir do mestrado profissional
Adriana Barbieri Feliciano, Lendra Andréia de Souza, Monica Vilchez da Silva, Cinira Magali Fortuna, Eliana Conceição Aparecida Piassi, Katia Aparecida Stocco Ribeiro, Érica Santiago Sousa

Última alteração: 2022-02-07

Resumo


Apresentação:

O trabalho em saúde possui como característica a imaterialidade daquilo que produz, pois se refere a subjetividade que perpassa cada indivíduo e a forma como reage diante dos atravessamentos da vida, por vezes produzindo sofrimento ou adoecimento de diferentes maneiras. Este trabalho é imprevisível e sensível. Na mesma dimensão, os indivíduos que realizam o trabalho, imprimem singularidades e portam diferentes tecnologias, colocadas à disposição do cuidado das pessoas. O trabalho em saúde requer espaços dialógicos que permitam aos trabalhadores a autoanálise e autogestão.

Uma das diferentes possibilidades de proporcionar o exercício destes processos são as práticas educacionais voltadas à reflexão sobre o mundo do trabalho. A formação stricto sensu promovida em nível de pós-graduação, como os mestrados profissionais, espera como efeito das aprendizagens, a produção de práticas ressignificadas e transformadoras que resultem em melhores formas de cuidado, trabalho e gestão em saúde.

Este relato tem como objetivo descrever a vivência de profissionais que atuam no SUS, que como mestrandos, puderam experimentar o uso de ferramentas analisadoras do processo de trabalho em saúde, como disparadores de autoanálise e reflexão com seus coletivos de trabalho. Trata-se de uma atividade curricular (AC) denominada “A Produção cotidiana do trabalho em saúde” do Programa de Pós-Graduação em Gestão da Clínica da Universidade Federal de São Carlos.

Desenvolvimento do trabalho:

A AC buscou discutir o trabalho em saúde como uma prática histórica, social e dialética à luz de concepções teóricas desenvolvidas por autores do campo da saúde coletiva e de pressupostos do referencial da análise institucional. Alguns conceitos visitados foram os elementos constitutivos do processo de trabalho, a micropolítica do processo de trabalho e alguns conceitos operadores, tais como trabalho vivo e trabalho morto, instituição, instituído, instituinte, analisador e implicação a fim de que os mestrandos pudessem refletir e compreender o processo de trabalho em saúde e como os conceitos apresentados operam na sua lógica assistencial. Como proposta final, apresentou-se aos mestrandos algumas ferramentas analisadoras como o mapa analítico, rede de petição e compromissos, fluxograma analisador, análise institucional de práticas profissionais e análise de implicação. Os temas foram abordados em 10 encontros com cerca de 03 horas de duração, modalidade remota, por meio de plataforma digital, devido a impossibilidade de se realizarem encontros presenciais na vigência da pandemia. O contexto de trabalho dos mestrandos se constituiu como campo de análise e intervenção. Eram diferentes contextos, como equipes da estratégia saúde da família, vigilância sanitária, hospital, gestão da atenção primária, instituição formadora e centro de atenção psicossocial (CAPS). A experiência aqui relatada foi vivenciada em dois CAPS de dois diferentes municípios do interior do Estado de São Paulo. Em ambas as experiências, as trabalhadoras/mestrandas utilizaram a ferramenta fluxograma analisador junto às suas equipes de trabalho em um encontro de reunião de equipe.

Resultados e/ou impactos:

A escolha do fluxograma analisador se deu pela facilidade de uso do mesmo e pela possibilidade de visualização do processo de trabalho e seus entraves. É uma ferramenta bastante visual. A riqueza da construção coletiva do fluxograma é o fato da equipe visibilizar a realidade dos problemas enfrentados pelo usuário e as ações de saúde produzidas. Outro ponto destacado na experiência é a percepção de que não há um processo pronto e definitivo, mas sim que tudo pode ser revisto e reconstruído. Foi possível constatar a necessidade de diálogo e pactos entre os envolvidos em querer construir essa rede, por estarem dispostos a olhá-la e a se olhar sem censuras ou julgamentos, mas visando a melhoria do processo de trabalho em busca do cuidado integral. Algumas características puderam ser evidenciadas em um dos CAPS, como a identificação de que o usuário é inserido imediatamente no serviço, em um atendimento mais humanizado, pois não necessita aguardar fila de espera, não tem senhas e após a recepção é encaminhado para atendimento, devendo apenas aguardar a sua vez. O tempo de espera varia de minutos a uma hora, dependendo da demanda do dia, mas é atendido no mesmo dia que busca atendimento e raramente é dispensado, materializando assim, o acolhimento à demanda espontânea. Percebeu-se também que, devido a pandemia, não ocorreu acompanhamento familiar de rotina, apenas foram realizados atendimentos pontuais quando solicitados e/ou em casos graves que necessitam do acompanhamento presencial. Outra questão é que o profissional médico é excluído do acolhimento devido a demanda (agenda médica, nesse caso) e baixa carga horária na unidade, ficando responsável pelas suas atividades específicas e participação em reunião de equipe. Em alguns acolhimentos, o usuário e/ou familiar procura o serviço para atendimento médico e/ou internação (esta também necessita de avaliação médica), mas há a tentativa da desconstrução da internação como solução para a abstinência de substâncias psicoativas e/ou qualidade de vida. No outro CAPS perceberam algumas questões no período pandêmico, como algumas ações que foram intensificadas, o teleatendimento, atendimentos de referência, além de uma tendência a "ambulatorização" do CAPS. Muitas ações primordiais do CAPS se perderam neste processo como: grupos terapêuticos (mais de 10), ambiência terapêutica, escassez de discussões de casos, menos reuniões com a RAPS, psiquiatras encaminhando mais para "psicoterapia no CAPS", com isso percebeu-se que o CAPS não ofertou o que os usuários necessitavam. Em seu relato a mestranda declarou que o uso da ferramenta a fez interrogar o seu próprio modo de cuidar. Nesse processo analítico a equipe pode encontrar estratégias para se reaproximar de sua finalidade. No espaço da disciplina não foi possível acompanhar os desdobramentos, o que poderia ser uma ação dos processos de educAção permanente em saúde.

Considerações finais

As experiências apresentadas contribuíram para mostrar a importância e potência do uso de ferramentas analisadoras para interrogar o processo de trabalho de equipes de saúde, tendo em vista a atenção integral, e que a formação pelo mestrado profissional é produtora de espaços de autoanálise e autogestão por coletivos que também se beneficiam da formação de seus colegas de trabalho. A vivência da AC levou as mestrandas a uma série de reflexões que cotidianamente não faziam, tirando todos do lugar de normalização do trabalho. Foi interessante olhar e perceber como uma ação ou pergunta leva a desdobramentos que estão implícitos, mas não claro para todos. Uma constatação é que a construção do fluxograma exige tempo e disponibilidade dos profissionais. Embora inicialmente a experiência tenha sido desconfortável e parecia "lógico" o que se tratava, o decorrer da experiência foi evidenciando que os profissionais estavam cristalizados nas propostas de trabalho "impostas pela pandemia" e precisavam de mobilização a fim de dar respostas reais às necessidades de saúde dos usuários do CAPS.