Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A telemedicina como instrumento de fortalecimento da Atenção Primária a Saúde
David Ramos da Silva Rios, Jane Mary De Medeiros Guimaraes

Última alteração: 2022-02-10

Resumo


As tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm se mostrado como importantes aliadas da Atenção Primária a Saúde na garantia da oferta de um cuidado integral e longitudinal que potencialize a relação entre profissionais de saúde e seus pacientes, eliminando barreiras geográficas e temporais.

Em tempos recentes, em meio ao contexto da pandemia da Covid-19, e da necessidade emergente de distanciamento social, bem como da adoção de outras estratégias que mitigassem a transmissibilidade do vírus SarsCov-2 e de seus impactos, o processo de trabalho no campo da saúde passou por importantes adaptações, visando a manutenção da prestação de uma assistência à saúde de qualidade, mas que ao mesmo tempo fosse capaz de respeitar os protocolos sanitários vigentes, garantindo, portanto, a prevenção dos usuários e profissionais.

Nesse cenário as TICs foram de fundamental relevância no remodelamento do trabalho em saúde. Diferentes experiências exitosas se espalharam pelo mundo, com a utilização de tecnologias diversas que possibilitaram um atendimento remoto de qualidade e integral. Consultas virtuais, aplicativos de mensagem instantânea, chats, ligações de vídeo, dentre outras estratégias, foram utilizadas, visando dentre outros objetivos manter a continuidade dos serviços essenciais durante a transmissão comunitária da Covid-19 e propiciar a redução da demanda por serviços hospitalares. Ademais, tais ferramentas puderam ser utilizadas para ofertar suporte social a grupos mais frágeis e vulneráveis, reduzindo, portanto, iniquidades, e compartilhando informações essenciais em tempos de ampla disseminação das chamadas fake news.

No caso específico do município de Salvador, na Bahia, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) lançou o programa “Salvador Protege”, direcionado a atenção básica, que se destina, inicialmente, a combater o coronavírus, e que no período pós-pandemia, deve servir também para os atendimentos e acompanhamentos de outras condições clínicas.

O programa busca identifica, em um primeiro momento, as pessoas com sintomas suspeitos de Covid-19 sem complicações, que são avaliados pela equipe de saúde da família na qual estão adscritos, e  no caso de não terem sintomas graves da doença, são orientados a realizar isolamento domiciliar,  com  acompanhamento remoto a cada 48h, utilizando os recursos da telemedicina, pelos profissionais de sua área. Nesse processo de acompanhamento proativo são realizadas uma gama de orientações, que visam prestar uma assistência adequada para o usuário de acordo com as suas condições clínicas, inclusive com redirecionamento para outros níveis de assistência a depender das necessidades do usuário, como o encaminhamento para uma Unidade de Pronto Atendimento, por exemplo, ou o acionamento do Serviço Móvel de Urgência (SAMU) para avaliações domiciliares.

Para além de garantir assistência médica, o Salvador Protege também tem se consolidado como uma estratégia de formação dos trabalhadores da atenção básica, por meio de parcerias com instituições de ensino superior detentoras de residências médicas, que auxiliam e orientam o processo de telemonitoramento, e também como um meio de restruturação das unidades com a incorporação de tecnologias, que poderão ser utilizadas no cotidiano, e o incentivo a integração dos diferentes níveis de atenção, tendo a APS como a efetiva coordenadora do cuidado.

Destarte, o presente trabalho visa analisar a implementação deste programa, identificando as percepções dos profissionais da saúde acerca da telemedicina na atenção básica e os principais desafios para a sua aplicabilidade.

Trata-se de uma pesquisa descritiva de caráter qualitativo, do tipo “estudo de caso”, que realizou revisão documental de produções institucionais, informações disponíveis em plataformas digitais oficias da SMS, atas de reuniões de equipe sobre o programa, comunicações internas da gerência do distrito sanitário com a equipe da unidade; e entrevistas em profundidade com profissionais (médicos, enfermeiros, agentes comunitários e técnicos) inseridos na unidade em análise e envolvidos com a implementação e utilização do programa. A “unidade de análise” foi a Unidade de Saúde Úrsula Catarino, no Distrito Sanitário Barra/Rio Vermelho, um dos 12 Distritos sanitários em que está subdividido o território do município.

A análise dos dados obtidos utilizou a técnica da análise de conteúdo, que abrange um conjunto de técnicas de análises de comunicação, que visa obter mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos e de noções compartilhadas.

Os resultados encontrados sinalizam que mudanças importantes foram feitas efetivamente nas rotinas e práticas dos profissionais e trabalhadores da APS de Salvador, em função da adaptação às circunstâncias excepcionais provocadas pelo enfretamento da pandemia da Covid-19 e em decorrência da implementação do Programa Salvador Protege. A relação profissional de saúde e usuários sofreu adaptações; o processo de construção e desenvolvimento das consultas e visitas foi modificado; o acesso e a disponibilidade de informações foram ampliados; a vinculação dos usuários a sua equipe de saúde, bem como a confiança na mesma aumentou; dentre outros aspectos. Contudo, alguns outros achados requerem atenção e o desenvolvimento de estratégias que mitiguem as suas consequências, particularmente no que diz respeita a tecno exclusão, em decorrência da dificuldade de acesso a tecnologias digitais por populações vulneráveis que muitas vezes não possuem os recursos adequados para usufruírem dos benefícios das TICs na APS, devido a uma gama de iniquidades.

Tais achados corroboram com diversas outras pesquisas realizadas nesse campo, que sinalizam que a pandemia da Covid-19 serviu de catalisador para o desenvolvimento das TICs na APS e que as mesmas têm exercido um papel importante na prestação de serviço para comunidades em áreas remotas. Ademais, subsidiaram a formulação de novos processos de trabalho nas unidades de saúde, a conformação de redes de apoio, a ampliação da integralidade do cuidado dentro dos diferentes níveis de atenção, a conformação de novos processos formativos envolvendo tecnologias digitais, e novas formas de relacionamento entre profissionais e usuários.

Conclui-se portanto que as TICs têm gerado importantes benefícios na APS e se consolidado como uma ferramenta relevante em tempos de isolamento social. Por meio de estratégias diversas está sendo possível garantir o cuidado integral a população nos mais diversos contextos sociais. Apesar desse avanço é relevante se analisar as consequências dessas práticas e seus impactos, revertendo o aumento de desigualdades, de modo a se estimular políticas públicas direcionadas a melhoria da qualidade do cuidado prestado aos cidadãos, independente de suas condições sociais.