Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ESTIGMA DO PESO EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE SANTOS
Maria Laura Monteiro da Luz Camargo

Última alteração: 2022-02-11

Resumo


Autora: Maria Laura Monteiro da Luz Camargo. Nutricionista Residente no Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Primária à Saúde da Secretaria de Saúde de Santos.

Orientador: Christiane Alves Abdala. Psicóloga na Secretaria de Saúde de Santos, Tutora de Psicologia no Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Primária à Saúde da Secretaria de Saúde de Santos, Mestra e Doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

 

O papel que a sociedade desempenha no cuidado em saúde de pessoas com obesidade tem sido considerado como ineficaz e sabe-se que os profissionais de saúde estão entre as principais fontes de estigma e preconceito. Para além da visão reducionista, a obesidade é uma questão social e nenhuma das estratégias geralmente utilizadas para o seu tratamento, como dietas e medicalização tem se mostrado eficaz, principalmente em longo prazo. Pelo contrário, há uma rápida transição epidemiológica e nutricional, caracterizada pelo crescente número de indivíduos com sobrepeso e obesidade. É importante atentar aos determinantes sociais que se relacionam diretamente ao acesso e adequada garantia à saúde. O estigma e preconceito para com pessoas com obesidade envolvem atitudes, crenças e comportamentos de aversão ao indivíduo, podendo se manifestar em ambientes de saúde, trabalho, educação, relações pessoais e mídia contribuindo para desigualdade social e de saúde.

Diante desse contexto, realizamos uma pesquisacom profissionais de saúde da Atenção Básica, que teve por objetivo compreender como a internalização do viés do peso desses profissionais influencia na prática clínica. Como instrumentos utilizamoso Teste de Associação Implícita (TAI) e a realização de dois grupos focais. O método qualitativo foi o referencial da pesquisa e seu desenvolvimento se deu com uma das equipes de Saúde da Família apoiada pelo Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF) que a profissional residente pesquisadora compõe.

Em relação ao TAI, do total de 08 participantes, tivemos 03 resultados indicando preferência automática forte por pessoas magras comparadas a pessoas gordas, 02 resultados indicando preferência automática moderada por pessoas magras comparadas a pessoas gordas, 01 resultado indicando preferência automática leve por pessoas magras comparadas a pessoas gordas e 02 resultados com pouca ou nenhuma preferência por pessoas magras comparadas a pessoas gordas. A partir da análise de conteúdo dos grupos realizados emergiram duas principais categorias: insatisfação corporal e gordofobia no cuidado em saúde. É importante destacar que a obesidade se torna um problema social a partir do momento que atinge populações de maneira socialmente diferenciada e a estigmatização do peso é sem dúvida a forma de preconceito mais aceitável que existe. Insatisfação Corporal: Falar sobre gordofobia é entender a teia causal extensa que existe por trás do tamanho de um corpo, a realização dos grupos foi composto apenas por mulheres profissionais de saúde, sendo assim a discussão girou em torno não só da atuação dos profissionais de saúde frente ao estigma do peso, mas também da própria relação de corpulência e saúde com elas mesmas. Ao decorrer do encontro, surgiram muitas frases gordofóbicas que são comumente reproduzidas, com uma preocupação excessiva em relação ao tamanho do corpo e uma alusão ao fracasso. Pensar nisso é pensar na construção social machista e capitalista que vivemos, quando falamos em mulheres que além de trabalharem fora de casa, cuidam de suas famílias e ainda tem uma grande preocupação em se manter dentro dos padrões criados pela sociedade. É muito comum vermos mulheres que são vítimas da objetificação do corpo feminino. É importante analisar que na nossa trajetória ocidental, o corpo da mulher é reduzido a um modelo de subjetividade feminina criado por padrões sociais. Mulheres que passam anos da sua vida em busca de se encaixarem e serem aceitas trazendo a vivência do estigma do peso fortemente ligado a uma maior vulnerabilidade à depressão, baixa autoestima, ansiedade, compulsão alimentar e até mesmo risco de suicídio. A ideia de que temos controle sobre o formato de nossos corpos e de que somos completamente responsáveis por isso, acaba por gerar uma eterna frustração, medo, culpa e sentimento de falta de controle. É preciso compreender que vivemos em um sistema que cria um padrão que não foi criado para nós e que fará você pensar que só terá a felicidade plena e sucesso quando alcançar esses objetivos, acontece que dificilmente teremos liberdade, mas buscar acolhimento e realidades mais palpáveis pode tornar o caminho mais fácil. Gordofobia no cuidado em saúde: No decorrer do grupo, se falou muito sobre a falta de comprometimento do paciente, dificuldade em seguir com as recomendações em consultório, julgamentos sobre a forma de se alimentar e do sedentarismo. A estigmatização tende a culpabilizar o indivíduo da sua condição, a ideia simplista de que a pessoa com sobrepeso ou obesidade é assim porque come demais e se exercita de menos acaba por ser um reflexo sobre moralidade, como se a dignidade de existência só fosse possível se você viver em um corpo magro, sendo assim essa abordagem tem se mostrado ineficaz, pois favorece o distanciamento entre o discurso e a prática pedagógica em saúde ao invés de envolver o indivíduo no cuidado. Em decorrência disso, a comunidade científica, pesquisadores, profissionais da saúde e formuladores de políticas públicas têm sido invocados a rever não só ações e estratégias que fundamentam o pensar na obesidade. Discorrer sobre a questão prática da gordofobia é pensar na falta de acesso e de direitos da pessoa gorda ao sistema de saúde, incluindo a falta de equipamentos apropriados. Além de tratamentos desdenhosos onde o profissional faz suposições sobre problemas de saúde do paciente atribuindo ao peso, gerando uma comunicação deficiente. Não estigmatizar não quer dizer ignorar problemas que podem ou não serem causados pela obesidade, é sobre não reduzir um indivíduo a sua forma física, é não reproduzir preconceitos que afetam profundamente a dinâmica de vida de uma pessoa. É por motivos éticos de justiça social para não promover desigualdade social, por motivos sanitários, para não haver desigualdade em saúde, por motivos de prevenção, para não ocorrer práticas antecipatórias de um falso cuidado em saúde.

Consideramos ser de suma importância termos espaços nos ambientes de saúde onde seja possível a discussão de como a gordofobia pode limitar e excluir o cuidado de pessoas gordas e como um padrão pode ser ameaçador ao corpo feminino. Olhar para a gordofobia em seu conceito amplo, para além da questão biológica, é pensar sobre o que o olhar social tem a nos dizer. Pessoas que sofrem a estigmatização do peso passam pela dor e angústia da dificuldade de se sentirem pertencentes a um sistema que falha em representa-los e assistir. Falar sobre gordofobia é dar voz ao movimento que luta contra um sistema que violenta e adoece pessoas. Ao sair dos laboratórios, a nutrição torna-se rapidamente uma questão social e um compromisso político que deve prestar contas à sociedade. É preciso questionar mais. As práticas acadêmicas trazem um individualismo que desconsidera suas complexidades e diferenças. Formamos profissionais acríticos de técnicas desenhadas nos grandes laboratórios de empresas e governos marcados por interesses. Não existe mudança coletiva sem mudança individual, assim como não existe mudança individual sem mudança coletiva, a relação é sempre dialética. Ao invés de reproduzirmos mentes conformadas, necessitamos desenvolver mais profissionais comprometidos com a transformação social.