Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A Carne mais barata do mercado, o metro quadrado mais caro da cidade e o cuidado à população em situação de rua.
PATRICIA MASCARENHAS PASSOS, Rafael Sousa de Brito

Última alteração: 2022-02-20

Resumo


Este trabalho descreve um relato de experiência de um acompanhamento interdisciplinar de um rapaz jovem, negro, em condições de higiene precárias, que se encontrava em situação de rua em um bairro nobre da cidade de Aracaju.  Sua demanda de assistência surgiu a partir da solicitação, de forma insistente, por moradores daquele bairro, de que a gestão da cidade tomasse providências o mais breve possível sobre o caso. Um dos dispositivos acionados foi o Consultório na Rua (CnaR), um equipamento itinerante da saúde que tem como objetivo desenvolver ações de atenção psicossocial, de acordo com os fundamentos e diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica. Diante disso, a equipe de CnaR realizou abordagens ao usuário de forma a vinculá-lo e traçar seu projeto de cuidados. Verificou-se que o rapaz tinha demandas de saúde mental: desorientado no tempo e espaço, discurso desconexo, apresentava movimentos repetitivos e comportamentos estereotipados. Para aproximá-lo, utilizou-se da oferta de alimento e música. O CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) do território em que ele se encontrava também foram acionados. No diálogo entre os serviços, o plano de cuidados pautou-se na tentativa de levar o usuário para a urgência mental para estabilização do quadro e posterior manejo. O usuário negou-se a ir à urgência, sendo seu cuidado pautado nas ofertas no território. Algumas semanas depois, não foi mais encontrado. A partir dessas abordagens e das articulações realizadas entre os serviços, algumas reflexões foram levantas. Sistematicamente, de forma intencional ou inconscientemente, as estruturas das cidades, bem como as ações dos moradores, acabam reproduzindo a exclusão das camadas mais populares do direito à cidade. Esta exclusão fica mais evidente quando se coloca em questão sujeitos vulneráveis a estigmas e preconceitos em contraste com áreas nobres das grandes cidades. No caso em questão, a dubiedade nas intenções, conscientes ou não, se caracterizou na tentativa de encontrar soluções rápidas que garantissem a supressão dos sintomas delirantes através da medicalização e da retirada do jovem negro em sofrimento mental daquele território.  Conclusão: Apesar das discussões que envolvem autonomia do sujeito e o cuidado em liberdade, a medicalização e institucionalização da vida, bem como a negação do direito à cidade ainda são práticas que se encontram no repertório de profissionais da saúde e reproduzidas pela sociedade. Mostra-se necessário promover espaços de construção de outras linhas de cuidado em rede, na produção de uma assistência em saúde contra hegemônica e que viabilize a ocupação do território como um todo.  Neste caso, o usuário (re)existiu em sua forma singular de existência. Resistiu a institucionalização, ao controle de si e de seu corpo. Não está mais ocupando o bairro nobre da cidade. Voltou a invisibilidade.