Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Violência institucional na Atenção à Saúde das mulheres na gestação de alto risco: realidade em uma cidade do Nordeste-Brasil.
Ana Paula Cavalcante Ramalho Brilhante

Última alteração: 2022-02-10

Resumo


Introdução: Gravidez de Risco são situações nas quais a saúde da mulher apresenta complicações no seu estado de saúde por doenças preexistentes ou intercorrências da gravidez no parto ou puerpério. O acesso aos serviços de saúde é um tema multifacetado e multidimensional, pois envolve diferentes aspectos como políticos, econômicos, sociais, organizativos, técnicos e simbólicos, no estabelecimento de caminhos para a universalização da sua atenção. Entretanto, ainda se vivencia no Sistema único de Saúde um acesso “”seletivo, focalizado e excludente”. Nesse sentido, o não acesso ao serviço de saúde constitui violência institucional, com presença de violência simbólica e estrutural, principalmente, à desigualdade e à exclusão social, tão fortemente presente no Brasil. Portanto, a violência institucional é exercida nos/pelos serviços públicos, por ação ou omissão, podendo incluir desde a dimensão mais ampla da falta de acesso à má qualidade dos serviços, às peregrinações por diversos serviços na busca pelo atendimento e às longas esperas, à uma assistência efetiva e resolutiva, ao desrespeito ao direito de não discriminação, com reprodução em geral, de estruturas sociais, injustas e discrimatórias. O objetivo do estudo foi conhecer a percepção da gestante em relação a violência institucional presente nos serviços de saúde. A presente pesquisa trata de um recorte da tese de doutorado da primeira autora sobre violência institucional na gravidez de alto risco. Metodologia: Pesquisa de abordagem qualitativa realizada em dois hospitais públicos de referencia para atendimento a gestante de alto risco, localizados no município de Fortaleza-CE. Os sujeitos participantes deste estudo foram oito (8) gestantes de alto risco, encaminhadas da Atenção Básica (AB) para Atenção Especializada (AE). Todas as gestantes moravam no município do estudo e foram encaminhadas pelas equipes da Estratégia Saúde da Família. Os critérios de escolha dos sujeitos foram a disponibilidade e o consentimento em participar do estudo por ocasião do atendimento na atenção especializada e que já tivesse tido atendimento anterior na AE. Tomando por base os critérios da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, os componentes éticos e legais estiveram presentes em todas as fases da pesquisa. Os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo, assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, e receberam uma cópia. Foi garantido o anonimato das informações por meio da identificação das depoentes, conforme a ordem da entrevista (G1-G8). Realizou-se entrevista semiestruturada como técnica de coleta, tendo questões norteadoras que fomentavam a discursividade acerca da percepção da gestante sobre a violência institucional no pré-natal. As entrevistas foram gravadas e em seguida transcritas na íntegra. Adotou-se como critério para encerramento das entrevistas a saturação das falas. A discussão dos dados produzidos foi realizada por meio da análise temática. Utilizou-se as três etapas recomendadas no referido método de análise, a saber: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados - inferência e interpretação. As entrevistas aconteceram entre os meses de março a junho de 2017, em local reservado nas unidades de saúde. Resultados: A violência institucional consiste em uma forma de violência pouco conhecida pela mulher na gestação de alto risco. As gestantes não relacionaram a deficiência do acesso como uma violação do direito e/ou violência, mesmo referindo situações excludentes por ocasião do Pré-natal, conforme discurso abaixo:

[...] muito difícil o atendimento, fui várias vezes ao posto para marcar meu pré-natal, e quando consegui passei quase 2 meses na fila para a consulta no hospital, nunca tem vaga (G3).

[...] saí sem consulta agendada para o próximo mês no posto de saúde, retornei várias vezes e até hoje não consegui marcar, tudo é muito difícil lá. Agora estou só aqui no hospital (G2)

[...] não, nunca ouvi falar nessa violência, mas sei que tudo é muito difícil, principalmente no posto, pois falta tudo, nem remédio tem (G1).

Percebe-se, por meio dos discursos, que mesmo com a deficiência no acesso, a não garantia do atendimento, não reconhece essa situação encontrada como violência institucional e/ou violação do direito. Estudos revelam que essa situação configura violência institucional, e que essa peregrinação coloca em risco não somente a saúde da gestante, mas também a do bebê. Pesquisas nacionais de abrangência local têm demonstrado a existência de falhas na assistência pré-natal, tais como dificuldades no acesso, início tardio, número inadequado de consultas e realização incompleta dos procedimentos preconizados, afetando sua qualidade e efetividade. Percebeu-se que a gestante tem encontrado dificuldade no acesso não somente a AE, pois também revelaram dificuldade de acesso na AB, revelando deficiência de profissionais, conforme discurso a seguir:

[...] eu acho que a prefeitura tem que contratar mais profissionais, a população é muito grande para só um médico e uma enfermeira, e não tem quem atenda, daí quem não consegue se consultar ou receber os remédios descontam nos profissionais, xingam, gritam, eu tenho é medo (G8).

Diante dessa situação vivenciada pela mulher na gestação de alto risco, não tem como não nos indignarmos. Portanto, é necessário cultivar a capacidade de indignação como “ingrediente” indispensável à construção de outro mundo possível. Sendo assim, reforçamos as palavras de Bourdieu “tornar público o invisível”, ou o que é visível, mas é naturalizado, silenciado, pois a in (visibilidade) desse tipo de violência dificulta intervenções urgentes na resolução do problema por parte do Estado. Estudos revelam violência institucional por ocasião do parto, entretanto, essa dificuldade de acesso e, a peregrinação é vivenciada pela gestante bem antes do parto, em muitos casos, desde o início do pré-natal, e principalmente, quando se depara com uma gestação de risco. Estudo realizado em Fortaleza no ano de 2009 sobre as Redes de Atenção Básica e Atenção especializada na atenção a gestante, revelou o mesmo problema, a não articulação entre essas redes de atenção. Nesse sentido, o desrespeito ao direito de não discriminação, de uma atenção efetiva, resolutiva, de acesso a todos os recursos disponibilizados pelo sistema de saúde, constitui um tipo de violência institucional e uma violação de normas éticas e legais de direitos humanos. Considerações finais: A pesquisou revelou que a violência institucional está presente nas Redes de AB e AE, pois ocorre violação dos direitos da mulher na gestação, em especial a de alto risco. Observou-se o não conhecimento por parte das gestantes sobre esse tipo de violência, naturalizando o não acesso aos serviços de saúde, mesmo diante da situação que se encontrava. Percebeu-se que a oferta ao pré-natal em alguns casos, não atende as necessidades da gestante, independente da rede de atenção e que a deficiência de profissionais de saúde na atenção básica contribui para a dificuldade ao acesso. Este estudo trouxe à tona problemas complexos existentes no modelo de atenção à saúde da mulher na gestação de risco, provocando reflexões do processo de trabalho que ocorre no município estudado, uma vez que as situações reveladas são diversas, entre elas a peregrinação desde o início do pré-natal na atenção básica, a não continuidade do acompanhamento nessa rede de atenção, demora no acesso a AE. O estudo revelou uma (des) responsabilização por parte da AB quando na ausência da vaga a gestante e da AE quando não garante esse atendimento. Portanto, a presença de vitimação, vitimização está presente no cotidiano dessas mulheres, caracterizando exclusão em relação ao acesso das políticas públicas.