Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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GESTÃO AUTÔNOMA DA MEDICAÇÃO (GAM): O PROCESSO DE REFLETIR SOBRE O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DENTRO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Monique Freitas Barreto Britto, Moisés Antônio de Melo Abrão, Vilckia da Fonseca Petrutes, Pedro Victorino Carvalho de Souza, Rebeca Azevedo Machado Pinto, Ranulfo Cavalari Neto

Última alteração: 2022-02-11

Resumo


Este resumo trata da experiência de um grupo de trabalhadoras e trabalhadores, que atuam na Política de Assistência Social, a fim de pensarem sobre a utilização de psicofármacos dentro das unidades de acolhimento institucional na cidade de Maricá-RJ. Tentaremos expor a experiência sobre o processo de formação de moderadoras e moderadores da estratégia GAM, por meio da narrativa de vivências ocorridas durante o ano de 2021.

O guia GAM começou a ser desenvolvido no Canadá, na cidade do Quebéc, em 1993 a partir da iniciativa de um grupo de usuários com transtornos mentais, tendo como objetivo de ser uma ferramenta de cuidado em saúde mental, onde existia um direcionamento para diminuição ou até mesmo a não utilização de psicofármacos.

No Brasil, a partir da lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, temos a criação e a expansão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Residências Terapêuticas (RT’s) e Centros de Convivência (CECOS), onde passa a ser direito da pessoa portadora de transtorno mental, ser tratada preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Nesse contexto, alguns questionamentos têm ocorrido acerca da oferta de tratamentos em saúde mental, que é, em muitas das vezes, apenas a oferta de medicamentos. Algumas pesquisas também apontam sobre a falta de informação dos usuários sobre o que é prescrito e os possíveis efeitos indesejados, principalmente em situações de supermedicação, essas pesquisas ainda revelaram que muitas pessoas param de tomar seus medicamentos por conta própria e, em sua maioria acabam piorando e sendo mais medicalizadas do que antes.

Neste cenário, a partir de 2009, no Brasil, inicia-se um movimento de pesquisa voltada à tradução e adaptação participativa do guia canadense, a realidade brasileira com a participação de usuários, trabalhadores, pesquisadores e colaboradores de diversas universidades públicas e instituições brasileiras. O próprio guia brasileiro cita os princípios básicos nessa construção foram autonomia e cogestão, visando o estabelecimento de relações mais horizontais entre os usuários de psicofármacos e quem os prescreve.

Nós que trabalhamos na Casa Abrigo Ernani Gomes Duarte, unidade de acolhimento institucional situada na cidade de Maricá-RJ, que acolhe a População Adulta em Situação de Rua (PASR), percebemos que na maioria das vezes essas pessoas possuem em comum, os vínculos familiares rompidos ou muito fragilizados, falta de emprego/trabalho, ausência de renda e o direito à moradia violado.

Para além das questões relacionadas anteriormente percebemos ainda que essas pessoas também trazem consigo questões relacionadas a transtornos mentais, uso prejudicial de álcool e outras drogas, uso de psicofármacos e acompanhamento nos serviços de saúde mental do município, em especial no CAPSad e CAPS II.

No que tange ao uso de psicofármacos, percebemos que 95% dos usuários faziam uso de alguma droga psiquiátrica, e que na maioria das vezes estes sequer tinham conhecimentos, do nome, para e porque faziam uso, seus efeitos esperados ou indesejados e possíveis interações e que alguns desses usuários reconheciam o medicamento de acordo com suas cores.

Era comum que esses sujeitos ao retornarem de suas consultas nos serviços de saúde/saúde mental do município, ao chegarem a casa abrigo entregavam para a equipe suas medicações numa sacola plástica, fora de suas caixas e sem as bulas. Em nome do cuidado a equipe da casa abrigo (Psicólogos, Assistentes Social, Educadores Sociais, Nutricionistas, Enfermeiros, Profs. de Educação Física, dentre outras profissões), controlava e guardava as medicações, com intuito de assegurar que o usuário/a não fizesse o uso inadequado dos mesmos, a ponto de termos um armário cinza de aço, trancado com um cadeado para guarda e segurança dessas drogas psiquiátricas.

A cena em questão nos levou a pensar o quanto que em nome do cuidado existia uma trama, que em nossa percepção trazia elementos antagônicos: cuidado versus controle; autonomia versus tutela, pensamos então que a GAM poderia nos ajudar a refletir e trazer possibilidade sobre tais processos instituídos, uma vez tem como pilares basais autonomia, grupalidade e cogestão.

Iniciamos assim um movimento de divulgação da GAM como possibilidade de cuidado para essa população dentro da Política de Assistência Social do município, formamos um grupo de estudos composto por 01 psicóloga, 01 estagiária de psicologia, 01 assistente social e 01 prof. de Educação Física. O objetivo era a formação de moderadoras e moderadores da GAM, vale ressaltar que nossos encontros aconteciam durante nosso horário de trabalho, temos assegurados 01 turno por semana pela gestão do serviço, para aprofundamento da temática e contamos ainda com o apoio da Fórum de Apoio às Estratégias GAM no Brasil.

Posteriormente iniciamos um movimento de levar para conhecimento dos serviços da assistência social do município a possibilidade de utilização da GAM como forma de pensar meios para uma produção de autonomia e empoderamento dos sujeitos que fazem uso de psicofármacos, e talvez possibilitar um diálogo de maneira mais horizontal com seus prescritores. Para nossa surpresa no primeiro encontro, numa reunião de equipe na casa abrigo, após apresentarmos a GAM ouvimos de uma assistente social, “ [...] isso não é para ser discutido aqui na assistência, isso é exclusivo da saúde”, ficamos um pouco frustrados mas seguimos em frente.

O passo seguinte foi perceber que não conseguiríamos de fato pensarmos a GAM apenas com o envolvimento da assistência social, seria necessária uma articulação intersetorial junto a política de saúde do município, sendo assim nós que em dado momento nos intitulamos de “Coletivo de Moderadoras e Moderadoras da GAM em Maricá”, nós lançamos ao encontro dos serviços de saúde / saúde mental para divulgação da GAM.

Um fato que despertou nossa atenção é que poucos trabalhadores dos serviços de saúde tinham conhecimento ou sequer tinham ouvido falar sobre a GAM, o que nos deixou uma pista de que não se tratava de uma ferramenta exclusiva da saúde, como nos foi indagado anteriormente em um dado momento. Todavia ficamos surpresos pelo despertar de um relevante interesse por parte dos profissionais em conhecer e, quiçá, utilizar esta ferramenta em seus respectivos serviços.

Realizamos nos meses de novembro e dezembro de 2021, encontros onde estiveram presentes representantes da política de saúde (CAPSi, CAPSad, CAPS |II, RTs) e da política de assistência social (SEAS, CENTROPOP, UNIDADE DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL). Participamos da Conferência Municipal de Álcool e outras Drogas (COMAD), com a temática “o cuidado que eu quero”. Onde houve diversas perguntas de alguns trabalhadores e usuários sobre a utilização de psicofármacos e a GAM, até o presente momento continuamos mantendo encontros mensais (on-line) com diversos equipamentos e trabalhadores dos serviços de saúde/saúde mental e assistência social interessados em levar a frente o pensamento da GAM no município de Maricá-RJ.

Como próximo objetivo, após o processo de estudos, formação e divulgação, temos a pretensão de que no mês de março de 2022 possamos iniciar um grupo GAM com usuários acolhidos na casa abrigo Ernani Gomes Duarte.

Até o presente momento entendemos que talvez um objetivo alcançado seja pensar a GAM como um possível dispositivo, propulsor das perspectivas da reforma psiquiátrica brasileira, da promoção da saúde, de relações baseadas na horizontalidade, do direito à informação e ainda, disparando reflexões sobre quem guia o cuidado, autonomia, grupalidade e manejo cogestivo nas práticas de assistência.