Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Práticas das enfermeiras no cuidado às mulheres sob a lente da integralidade: reflexões e vivências no âmbito da atenção primária em saúde.
Laurianna Alexandrina Neves de Souza Vieira, Olga Maria de Alencar

Última alteração: 2022-02-10

Resumo


Apresentação

Relato de experiência realizado a partir da análise de narrativa foucaultiana para compreender o conceito de integralidade que emergiu de uma entrevista estruturada aplicada a uma enfermeira da estratégia de saúde da família (ESF) de uma equipe de atenção primária (eAP) rural.  As reflexões aqui apresentadas referem-se às experiências e vivências de uma enfermeira - residente do Programa Multiprofissional de Saúde da Família com ênfase na Saúde da População do Campo da Escola de Governo Fiocruz Brasília,  acerca da rotina dos atendimentos realizados em uma Unidade Básica de Saúde do Distrito Federal e em diálogo com a proposta pedagógica do módulo saúde da mulher. Importante frisar que as análises das políticas públicas aplicadas na saúde da mulher, realizadas de forma escalonada, visam pensar da prática local aos conceitos gerais das políticas e sua aplicabilidade no mundo do trabalho vivo em ato.

O intuito desta análise é contribuir para ações mais efetivas e coordenadas a partir das práticas reais da Atenção Primária à Saúde (APS). Afinal, a prescrição de cuidados e condutas de saúde na enfermagem da estratégia de saúde da família exigem uma clínica ampliada, capaz de enxergar a usuária do SUS em sua integralidade.

Se o termo “integralidade” foi construído no contexto específico de criação do SUS, inexistindo em dicionários e sem tradução em outros idiomas, como afirma Roseni Pinheiro, é possível dizer que ele caminha em consonância com a luta por direitos das mulheres, numa busca pela superação do grande marcador de diferenças entre os sexos que acabou definindo o corpo feminino como apenas aquele que reproduz. Por isso, quando se fala em integralidade é necessário, urgentemente, superar esse olhar reducionista que limita o corpo feminino ao universo reprodutivo.


Desenvolvimento/Método


Trata-se de um relato de experiência com abordagem qualitativa descritiva, ancorado nos princípios de sistematização de Oscar Jara Holliday, que busca fazer uma reflexão sobre as ações de situações vivenciadas no âmbito profissional. A análise foi realizada a partir das reflexões mediante entrevista de uma enfermeira da eAP, no dia 13 de setembro de 2021, tendo as seguintes questões norteadoras, elaborada pela residente: O que você entende por cuidado integral?(1); Quais as opções de cuidado que as mulheres do território têm acesso?(2); Liste 2 pontos positivos e 2 desafios nos cuidados oferecidos no território para mulheres.(3) e Há quantos anos você trabalha na SES DF?(4) O material foi organizado em narrativas e analisado de acordo com as referências apontadas pelo módulo de saúde da mulher, realizado em setembro de 2021. A partir dessa análise foram construídas reflexões mediadas pelas discussões em aula, textos referenciados e vivência em campo pela residente do programa.


Resultados

Nas respostas da enfermeira foi levantada a característica holística do atendimento, definido por ela como “personalizado” e de forma corresponsabilizada, uma vez que afirma que esse cuidado é “feito com o paciente e para ele”. Nesse sentido, a definição conceitual enquanto valor e princípio de conduta, mas também a abrangência entre diferentes níveis de atenção à saúde  parece ser alcançada.

Por outro lado, a percepção e prática que reduz o corpo feminino a um útero reprodutor com necessidades de saúde padronizadas na função social do papel da mulher, criada a partir de uma estrutura de sociedade patriarcal e capitalista, ainda vigora sobre o imaginário de muitos trabalhadores da saúde. Isso pode ser constatado no próprio Protocolo de Saúde das Mulheres de Atenção Básica, no qual constam áreas de assistência voltadas apenas para questões reprodutivas, o que expõe o posicionamento político, ético e estético do Ministério da Saúde no que tange às questões de gênero, influenciando fortemente na construção de saberes e práticas das trabalhadoras e trabalhadores do SUS. A compreensão da trabalhadora é de que uma atenção integral deve incluir “vacinação, saúde mental, entrega de medicação, prevenção, IST” e uma regulação para alguma especialidade. Ela identifica que existem barreiras para essa regulação e muitas vezes isso não é alcançado pela eAP, devido à demora de atendimento pela assistência especializada no “sistema” ou falta de vaga com psicólogo e/ou psiquiatra, no caso de saúde mental. Cita coletas de preventivo, atendimento a Infecções Sexualmente Transmissíveis, pré natal e testes rápidos como cuidados relacionados à saúde da mulher. Menciona que a “mulher consciente até deseja fazer uma laqueadura, e embora seja regulada na UBS não tem médico, cirurgião, material.”

Parece não haver clareza na amplitude que a integralidade alcança no decorrer do discurso da profissional. Uma personalização do atendimento, que compreendesse a fundo a integralidade, poderia citar outras áreas atendidas, como a de infecções, podendo ser pandêmicas (Covid 19) ou endêmicas (dengue). A importância da assistência na perspectiva da integralidade para mulher conduz um atendimento de saúde equânime, que contribua para que as desigualdades de gênero, entre outras, sejam minimamente reduzidas, diminuindo os impactos das iniquidades na saúde das mulheres.

No atendimento de mulheres com sintomas gripais do território adstrito à UBS, por exemplo, elas enfrentam desafios com o isolamento domiciliar e repouso devido às atribuições do trabalho doméstico, quase que exclusivo para elas, mas também com a identificação da dispnéia, um dos sinais de alerta da Covid 19, uma vez que muitas delas desenvolveram algum nível de ansiedade que desencadeia crises de falta de ar. Outras questões de saúde pública presentes nos atendimentos vivenciados na UBS são a violência contra a mulher, gravidez na adolescência e a postura gordofóbica de alguns profissionais. Qualquer atendimento a algum desses casos pode passar pela profissional enfermeira e é seu papel contribuir para uma assistência integral e holística que acolha as demandas apresentadas.

Considerações Finais

Há muito que se comemorar com a instituição da integralidade enquanto princípio na assistência à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) para os diversos públicos atendidos. E a celebração deve se multiplicar quando esse público é constituído por mulheres. Isso porque a integralidade pressupõe uma ampliação da lente sobre a mulher e seu corpo historicamente invisibilizados quanto a questões que não fossem relacionadas à reprodução, não permitindo que se enxergasse além de vagina e útero.

Contudo, embora exista uma consciência a respeito do significado de integralidade por trabalhadores da saúde, em especial da enfermagem, ainda é preciso compreender a dimensão do feminino; toda a teoria da reprodução social que se aplica ao modus operandi de exploração lançado sobre a mulher; toda a romantização do seu trabalho, transformado em afetivo para naturalizar a expropriação. Por esse motivo esse dimensionamento se faz imprescindível para ampliar a lente que media o olhar para o corpo feminino.

Em síntese, talvez essa seja a razão da complexidade em  pensar na integralidade da saúde da mulher: a tendência histórica de enquadrá-la sócio, política, econômica e antropologicamente. Assim sendo, pensar na mulher enquanto ser humano pode ser o melhor e mais íntegro ponto de partida que permita coerência nas proposituras de políticas públicas.

Descritores: Enfermagem. Cuidado. Integralidade. Atenção Primária à Saúde. Gênero.