Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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"POR ISSO SE CHAMA ‘PARTO TRADICIONAL’, PORQUE VEM DE UMA TRADIÇÃO”.
Marluce Mineiro Pereira, Tabita dos Santos Moraes, Gabriela Duan Farias Costa, Raquel Del Socorros Jarquin Rivas, Júlio Cesar Schweickardt

Última alteração: 2022-02-10

Resumo


No Amazonas, a realização de partos domiciliares é uma prática comum, sobretudo em comunidades onde o conhecimento tradicional, adquirido por meio da ancestralidade, reflete conhecimentos e experiências que as parteiras tradicionais possuem. Objetiva-se apresentar a narrativa de experiências acerca da prática do partejar de Orquídea, parteira tradicional do município de Tefé/AM. Trata-se de um estudo etnográfico, cuja coleta se deu por meio de um roteiro semiestruturado. Atribuímos o nome de flor à entrevistada para resguardar sua identidade. O ano de 1988 marcou o início das atividades de Orquídea, parteira tradicional muito conhecida na sua comunidade Deus é Pai e nas comunidades adjacentes, Aranatuba e Ponta da Sorva, onde presta assistência às gestantes. O conhecimento adquirido ao longo dos anos se deu por meio de sua bisavó; uma parteira indígena experiente no manejo de plantas medicinais para composição de remédios caseiros, reconhecida e respeitada em sua comunidade por assistir partos difíceis e problemáticos. “A minha bisavó ensinou minha avó, que ensinou minha mãe, e que me ensinou. Por isso se chama ‘parto tradicional’, porque vem de uma tradição”. Ao fazer um curso voltado para parteiras tradicionais, Orquídea observou que os termos científicos usados para explicar doenças, tratamentos e partos problemáticos, em seu cotidiano eram bem conhecidos e vivenciados, porém vistos e tratados de outra forma. Dentre os exemplos narrados, destacou o “parto pélvico” do tipo podálico completo (sentado de pernas cruzadas). Orquídea destacou que no parto veio primeiro um pé do recém-nascido. “A minha irmã teve o segundo filho, e nasceu só um lado da perna e depois vieram as genitálias. Primeiro tem que colocar com todo o cuidado a perninha para dentro. Depois colocar a gestante numa posição de quatro (apoios) e botar uma toalha ou lençol no quadril dela e começar a sacudir devagar, porque assim o bebê vai soltando da pelve e pra depois girar a mãe o bebê mudar de posição e realizar o parto normal”. Orquídea contou que uma das situações mais difíceis de assistir, são os partos que ocorrem logo após a queda da gestante e que podem ocasionar aborto. “Uma experiência muito difícil que vivenciei foi quando uma gestante que estendendo roupa em cima do girau, a tábua quebrou e ela caiu e ficou entre um pau e outro e isso afetou a criança, já perto do tempo da criança nascer. Nessas situações é preciso ser ágil porque a queda de uma gestante tem um ‘risco’ igual ao de um idoso”, explicou Orquídea. O saber tradicional utilizado pelas parteiras tradicionais compartilhado entre e intragerações já se faziam presentes no cotidiano da vida em sociedade antes da ciência moderna ascender, e tem contribuído até os dias atuais para saúde da mãe e do bebê, e para a salvaguarda da cultura e do saber tradicional, pois nos territórios onde vivem elas são essenciais no cuidado em saúde da mulher e muitas vezes também da comunidade.