Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: contribuições para o debate
Mônica de Rezende, Manuelle Maria Marques Matias, Tatiana Wargas de Faria Baptista

Última alteração: 2022-02-07

Resumo


APRESENTAÇÃO: Esse trabalho discute as narrativas de Educação Permanente em Saúde (EPS) a partir da análise da construção e dos processos políticos em torno da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS). Como conceito, a EPS mobiliza múltiplos sentidos, o que possibilitou sua apropriação por diferentes atores e atrizes, de distintos territórios. A PNEPS foi lançada no início do governo Lula, mas desenvolvida em dois momentos da gestão do Ministério da Saúde (MS): 2003 a 2005; 2005 a 2010. Esses dois momentos foram conduzidos por grupos distintos, com filiações teóricas e posicionamentos políticos que divergem na origem e que precisam ser reconhecidos para uma compreensão dos projetos que lideraram. Olhando em retrospectiva, é possível compreender as diferenças que se apresentam nas narrativas e projetos. O objetivo deste trabalho é apresentar os sentidos presentes em disputa no debate sobre EPS e ofertar questões e entendimentos sobre a PNEPS que ajudem a pautar a discussão na atualidade.

DESENVOLVIMENTO: O estudo coloca em diálogo os achados de duas pesquisas de doutorado que se debruçaram sobre o tema da articulação educação e saúde e da política nacional de educação permanente em saúde. As pesquisas realizaram análises documentais e entrevistas com atores e atrizes que participaram da construção da Política o que possibilitou reconhecer as diferentes apropriações do conceito de EPS, mobilizado sob forma de política pública para traduzir um desejo de mudança nas práticas de saúde realizadas nos diferentes espaços do SUS.

RESULTADOS: Para compreender o que foi o movimento de construção da PNEPS, retomamos a trajetória do SUS buscando elementos não explicitados nas histórias sobre a Reforma Sanitária. Um primeiro elemento remete à dicotomia da saúde em duas áreas, a Saúde Pública e a Medicina Previdenciária, e o esforço de aproximação e unicidade do comando no cuidado aos problemas coletivos e individuais, garantindo integralidade da atenção em todos os níveis do Sistema. A Constituição Federal de 1988 aprovou o entendimento de que todo tipo de problema e questão de saúde deveria ser entendida como prioritária, independente da magnitude. Desta forma, exigiu aproximação entre as antigas lógicas da Saúde Pública e da assistência individualizada, exigindo mudanças nas práticas em saúde: questão central da EPS.

A formulação da PNEPS se deu a partir da inauguração de um lugar institucional de destaque no MS: a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES). Em relação à gestão do MS, o governo Lula passou por “dois momentos”: inicialmente comandado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), de 2003 a 2005, e, em seguida, até 2010, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Isso determinou a escolha dos Secretários à frente da SGTES, que foi ocupada por dois grupos distintos com diferentes direcionamentos. Nesse contexto de divisão destes dois momentos políticos, configuraram-se duas concepções e propostas de política distintas em torno da EPS, marcado pela publicação de duas portarias, em 2004 e 2007.

Na SGTES, o primeiro grupo ocupante da área de “gestão da educação na saúde” fez contraposição à lógica de financiamento vigente, pautada por demandas externas negociadas diretamente entre Instituições de Ensino e MS, numa lógica de “balcão de negócios”. Para mudar a lógica de financiamento e a fragmentação dos processos formativos, foram criados os Polos de Educação Permanente em Saúde (PEPS), que apostava na definição das demandas de EPS a partir das realidades e necessidades locais.

A EPS foi convocada como estratégia para lograr mudança. Buscava-se enfatizar a aprendizagem significativa, na prática: no trabalho, a partir do trabalho, para o trabalho. A diretriz da integralidade orientou a atuação da PNEPS, que buscava atuação em rede para produzir mudança nos âmbitos da formação, da atenção, do controle social e da gestão. A proposta da PNEPS, bem mais que uma metodologia pedagógica, estava interessada na produção de novas subjetividades.

A construção dessa proposta em torno do conceito de EPS se deu em detrimento dos marcos teóricos da discussão sobre “recursos humanos em saúde”, referencial importante para o segundo grupo que assumiu a SGTES. O conceito de EPS vinha de uma longa trajetória de debates postos pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS) desde a década de 1980. Foi forjado, dentre outros motivos, para se diferenciar de um conjunto de práticas de educação em saúde designadas de “educação continuada”, que se mostravam insuficientes.

Ao assumir a SGTES, em 2005, o segundo grupo tomou como tarefa prioritária a “reestruturação” dos PEPS, substituindo-os pelas Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES), profundamente interligadas às instâncias oficiais de gestão do SUS. Produzia-se uma nova proposta de operacionalização da PNEPS, associada ao esforço de adaptação ao Pacto pela Saúde. Neste segundo momento, colocou-se ainda a tarefa de “reconstituição” do conceito de EPS, reaproximando-o daquele elaborado pela OPAS na década de 1990 e trazendo-o para a segunda versão da PNEPS, estabelecendo outras diretrizes para a Política, mais vinculadas à trajetória de Recursos Humanos em Saúde, donde vinha a maior parte dos sujeitos que passaram a ocupar a SGTES.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A aposta numa Política de Educação Permanente em Saúde desde 2003 traz como questão central a mudança das práticas em saúde visando a construção de um novo modelo de atenção, mais dialógico e participativo para todas as partes envolvidas. Nessa aposta, o espaço do trabalho é trazido como espaço de formação e troca provocando também um deslocamento no modo de compreender o próprio trabalho, as relações profissionais e as relações com usuários e comunidades.

Um desafio importante é o dilema da sustentabilidade do SUS e o quanto o cenário de extrema precariedade do sistema de saúde compromete a aposta de manter trabalhadores engajados, dispostos e abertos ao diálogo, que possam estabelecer trocas entre si e olhar/revisitar suas próprias práticas.

Nesse sentido, sem um esforço maior de constituição da política pública, a PNEPS pode ser aplicada de forma reduzida, como estratégia para responder a demandas pontuais de capacitação, perdendo sua potência como proposta para revisão das práticas e de promoção do diálogo entre trabalhadores e equipes no cotidiano dos serviços.

Propomos, em lugar desta captura da EPS, outra concepção, a qual nos filiamos, que toma a proposta da EPS na sua radicalidade, onde parte-se do entendimento de que esta proposta pode ensejar um campo de convites à reflexão crítica de si e do mundo que nos cerca, que permita desalojamento e mudanças. Os convites da PNEPS nos remetem a um olhar que potencialize a construção de um sistema público de saúde trazendo elementos do cotidiano, das práticas do SUS, como estratégias para se avançar nessa imagem-objetivo.

A aposta numa micropolítica do trabalho é uma referência importante para o projeto de uma EPS, mas é preciso reconhecer que não é suficiente a aposta no trabalho em saúde sem que se fortaleça os demais âmbitos da política, a começar pela inserção do trabalhador no Sistema. É preciso reconhecer que há agência nesse trabalhador, mas não podemos nos furtar de mostrar que há uma disputa de modelos. Acreditamos que apostar numa EPS que coloca em diálogo os trabalhadores e em foco as práticas exige um outro modelo de sistema de saúde.