Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-02-09
Resumo
Apresentação: Quando se pensa na organização da atenção à saúde, em um país com sistema universal, como o Brasil, há que se considerar fatores que influenciam a oferta, a demanda e a prestação de serviços, como: a extensão territorial, as desigualdades, as diversidades locorregionais, a existência de populações tradicionais, o modo de vida e produção da população local, a abrangência das atribuições do Estado na saúde, o arranjo federativo e a multiplicidade de sujeitos envolvidos na condução e na prestação da atenção à saúde. Estes fatores influenciam a oferta de serviços, em específico os de Atenção Especializada (AE) marcados por diferentes obstáculos em sua provisão, financiamento e regulação, decorrendo tanto da insuficiência de oferta de serviços de diagnósticos e terapêuticos (muitas vezes condicionados à especialidade e à localização geográfica) quanto dos modos de financiamento, organização e funcionamento da AE e de outros elementos das Redes de Atenção à Saúde, como, por exemplo, a qualidade de encaminhamentos e solicitações (de exames, consultas, procedimentos), o acesso aos prontuários dos usuários, entre outros. O que reflete em sobrecarga aos municípios, especialmente de pequeno porte, e, caracterizados como rurais remotos (RR) que acabam tendo que garantir, além da Atenção Primária à Saúde (APS), o acesso a serviços de AE aos seus munícipes, mesmo com déficit de recursos materiais, financeiros, humanos e logísticos. As barreiras geográficas, organizacionais e financeiras limitam a acessibilidade de populações que vivem em áreas remotas aos serviços de AE, contribuindo para resultados negativos em saúde, decorrentes de agudização de condições crônicas pela demora no cuidado oportuno e adequado, bem como a falta de continuidade. A saúde rural remota compõe-se a partir da heterogeneidade, pluralidade e singularidades de modos de vida dos grupos populacionais que vivem nesses territórios, o que exige uma articulação efetiva entre os vários atores envolvidos no processo de provisão e produção do cuidado que, em certa medida, pressupõe os níveis de atenção e a promoção de estratégias que contemplem necessidades específicas dos usuários, garantindo a efetiva prestação dos cuidados à saúde a seus moradores. Assim, essa pesquisa objetivou compreender os desafios enfrentados por municípios rurais remotos (MRR) do semiárido nordestino para garantia do acesso à Atenção Especializada (AE). Métodos: Trata-se de estudo de caso múltiplos em MRR com abordagem qualitativa, em quatro municípios do semiárido nordestino, nos estados da Bahia (3) e Piauí (1). No Brasil, as definições de espaço rural e urbano ganharam uma tipologia em 2017, proposta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alinhada a metodologias da Organização para o Comercio e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e União Europeia, a partir de parâmetros de densidade demográfica, localização em relação aos centros urbanos e tamanho da população. Para a definição da amostra intencional do estudo, procedeu-se à caracterização dos MRR do semiárido, mediante um conjunto de indicadores socioeconômicos, demográficos e de saúde. A população do estudo foi composta por 13 entrevistados: oito gestores municipais da saúde – Secretários Municipais da Saúde e Coordenadores da Atenção Básica (GM); três gestores regionais (GR) e dois gestores estaduais (GE). As entrevistas foram presenciais, com duração média de 2h30min cada uma, realizadas nos respectivos locais de trabalho, no período de maio a outubro de 2019, gravadas em áudio e transcritas na íntegra. Para a produção dos resultados, procedeu-se à análise de conteúdo temática do material com suas respectivas etapas de categorização, descrição e interpretação. Partiu-se, então, para o cotejamento entre os discursos, no confronto dialético de ideias e posições dos sujeitos, identificando-se convergências e divergências para interpretação crítica. A intenção não foi o julgamento de cada município, mas a compreensão de processos nos territórios. Resultado: Em síntese, os resultados mostram que a escassez na oferta de serviços somados as longas distâncias entre a área rural e a sede do município, e destes para o serviço de AE, contribuíam para variados arranjos no processo organizativo da atenção à saúde, como, compra direta no prestador privado pelo município, oferta via pactuação entre municípios e desembolso direto do usuário – no intuído de suprir, de alguma forma, os vazios assistenciais ou abreviar os tempos de espera para atenção especializada. A maior parte da oferta pública e privada para AE encontrava-se fora dos MRR, o que exigia da gestão local um alto investimento em transporte sanitário, em um contexto de recursos financeiros insuficientes para atender a essa demanda, com disponibilidade limitada/inexistente de transporte nas áreas mais isoladas e distantes do município. Em todos os casos, havia alguma oferta de serviços especializados privados no próprio município, ainda que de forma intermitente, o que levava a constituição de itinerários terapêuticos paralelos a rede de oferta formal, na busca por alguma continuidade do cuidado. Evidenciando que a lógica regional e os impasses dos vazios assistenciais comprometem a integralidade da atenção à saúde à população dos MRR, levando a fragilidade da relação entre Atenção Primária à Saúde (APS) e a AE, necessária a integralidade do cuidado, e a perda de contato da APS com os usuários, realidade marcada pela fragmentação assistencial, dependência de prestador privado, vazio assistencial crítico, precária comunicação informacional e transporte sanitário insuficiente. Nos MRR, a integração dos serviços com a rede regional é bastante frágil, porquanto, na maior parte das vezes, são apenas o financiador, ficando as funções de prestador e regulador nas mãos dos municípios de referência. Nessa seara, a incipiência ou ausência de instrumentos comunicacionais entre os níveis de atenção compromete o atributo da coordenação e, nesse sentido, favorece a inadequação de diagnósticos e tratamentos com desdobramentos graves à segurança dos pacientes. Os municípios historicamente desassistidos (pequenos, rurais e remotos) permanecem num círculo vicioso entre pobreza que gera adoecimentos, inclusive evitáveis, e insuficiência técnico-econômica de oferta de serviços para tratá-los e preveni-los, perdurando ou gerando novos adoecimentos, bem como, o agravamento dos problemas já existentes. Conclusão: Os problemas para oferta adequada e oportuna à AE nos MRR, são comuns a todo território nacional, porém parecem ser mais perniciosos nesses territórios que concentram maiores diversidades de acesso e populações mais vulneráveis. Evidenciando nesses espaços a necessidade de diferentes estruturas e oferta de serviços de saúde, envolvendo a logística para distribuição de insumos, a organização do processo de trabalho e o sistema de financiamento diferenciado.