Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Atenção Especializada em municípios rurais remotos no semiárido nordestino: um estudo de caso múltiplos
Fabiely Gomes da Silva Nunes, Adriano Maia dos Santos, Ângela Oliveira Carneiro, Márcia Cristina Rodrigues Fausto, Lucas Manoel da Silva Cabral, Patty Fidelis de Almeida

Última alteração: 2022-02-09

Resumo


Apresentação: Quando se pensa na organização da atenção à saúde, em um país com sistema universal, como o Brasil, há que se considerar fatores que influenciam a oferta, a demanda e a prestação de serviços, como: a extensão territorial, as desigualdades, as diversidades locorregionais, a existência de populações tradicionais, o modo de vida e produção da população local, a abrangência das atribuições do Estado na saúde, o arranjo federativo e a multiplicidade de sujeitos envolvidos na condução e na prestação da atenção à saúde.  Estes fatores influenciam  a oferta de serviços, em específico os de Atenção Especializada (AE) marcados por diferentes obstáculos em sua provisão, financiamento e regulação, decorrendo tanto da insuficiência de oferta de serviços de diagnósticos e terapêuticos (muitas vezes condicionados à especialidade e à localização geográfica) quanto dos modos de financiamento, organização e funcionamento da AE e de outros elementos das Redes de Atenção à Saúde, como, por exemplo, a qualidade de encaminhamentos e solicitações (de exames, consultas, procedimentos), o acesso aos prontuários dos usuários, entre outros. O que reflete em sobrecarga aos municípios, especialmente de pequeno porte, e, caracterizados como rurais remotos (RR) que acabam tendo que garantir, além da Atenção Primária à Saúde (APS), o acesso a serviços de AE aos seus munícipes, mesmo com déficit de recursos materiais, financeiros, humanos e logísticos. As barreiras geográficas, organizacionais e financeiras limitam a acessibilidade de populações que vivem em áreas remotas aos serviços de AE, contribuindo para resultados negativos em saúde, decorrentes de agudização de condições crônicas pela demora no cuidado oportuno e adequado, bem como a falta de continuidade. A saúde rural remota compõe-se a partir da heterogeneidade, pluralidade e singularidades de modos de vida dos grupos populacionais que vivem nesses territórios, o que exige uma articulação efetiva entre os vários atores envolvidos no processo de provisão e produção do cuidado que, em certa medida, pressupõe os níveis de atenção e a promoção de estratégias que contemplem necessidades específicas dos usuários, garantindo a efetiva prestação dos cuidados à saúde a seus moradores.  Assim, essa pesquisa objetivou compreender os desafios enfrentados por municípios rurais remotos (MRR) do semiárido nordestino para garantia do acesso à Atenção Especializada (AE). Métodos: Trata-se de estudo de caso múltiplos em MRR com abordagem qualitativa, em quatro municípios do semiárido nordestino, nos estados da Bahia (3) e Piauí (1). No Brasil, as definições de espaço rural e urbano ganharam uma tipologia em 2017, proposta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alinhada a metodologias da Organização para o Comercio e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e União Europeia, a partir de parâmetros de densidade    demográfica, localização em relação aos centros urbanos e tamanho da população. Para a definição da amostra intencional do estudo, procedeu-se à caracterização dos MRR do semiárido, mediante um conjunto de indicadores socioeconômicos, demográficos e de saúde. A população do estudo foi composta por 13 entrevistados: oito gestores municipais da saúde – Secretários Municipais da Saúde e Coordenadores da Atenção Básica (GM); três gestores regionais (GR) e dois gestores estaduais (GE). As entrevistas foram presenciais, com duração média de 2h30min cada uma, realizadas nos respectivos locais de trabalho, no período de maio a outubro de 2019,               gravadas em áudio e transcritas na íntegra. Para a produção dos resultados, procedeu-se à análise de conteúdo temática do material com suas respectivas etapas de categorização, descrição e interpretação. Partiu-se, então, para o cotejamento entre os discursos, no confronto dialético de ideias e posições dos sujeitos, identificando-se convergências e divergências para interpretação crítica. A intenção  não foi o julgamento de cada município, mas a compreensão de processos nos territórios. Resultado: Em síntese, os resultados mostram que a escassez na oferta de serviços somados as longas distâncias entre a área rural e a sede do município, e destes para o serviço de AE, contribuíam para variados arranjos no processo organizativo da atenção à saúde, como, compra direta no prestador privado pelo município, oferta via pactuação entre municípios e desembolso direto do usuário – no intuído de suprir, de alguma forma, os vazios assistenciais ou abreviar os tempos de espera para atenção especializada. A maior parte da oferta pública e privada para AE encontrava-se fora dos MRR, o que exigia da gestão local um alto investimento em transporte sanitário, em um contexto de recursos financeiros insuficientes para atender a essa demanda, com disponibilidade limitada/inexistente de transporte nas áreas mais isoladas e distantes do município. Em todos os casos, havia alguma oferta de serviços especializados privados no próprio município, ainda que de forma intermitente, o que levava a constituição de itinerários terapêuticos paralelos a rede de oferta formal, na busca por alguma continuidade do cuidado. Evidenciando que a lógica regional e os impasses dos vazios assistenciais comprometem a integralidade da atenção à saúde à população dos MRR, levando a fragilidade da relação entre Atenção Primária à Saúde (APS) e a AE, necessária a integralidade do cuidado, e a perda de contato da APS com os usuários, realidade marcada pela fragmentação assistencial, dependência de prestador privado, vazio assistencial crítico, precária comunicação informacional e transporte sanitário insuficiente. Nos MRR, a integração dos serviços com a rede regional é bastante frágil, porquanto, na maior parte das vezes, são apenas o financiador, ficando as funções de prestador e regulador nas mãos dos municípios de referência. Nessa seara, a incipiência ou ausência de instrumentos comunicacionais entre os níveis de atenção compromete o atributo da coordenação e, nesse sentido, favorece a inadequação de diagnósticos e tratamentos com desdobramentos graves à segurança dos pacientes. Os municípios historicamente desassistidos (pequenos, rurais e remotos) permanecem num círculo vicioso entre pobreza que gera adoecimentos, inclusive evitáveis, e insuficiência técnico-econômica de oferta de serviços para tratá-los e preveni-los, perdurando ou gerando novos adoecimentos, bem como, o agravamento dos problemas já existentes. Conclusão: Os problemas para oferta adequada e oportuna à AE nos MRR, são comuns a todo território nacional, porém parecem ser mais perniciosos nesses territórios que concentram maiores diversidades de acesso e populações mais vulneráveis.  Evidenciando nesses espaços a necessidade de diferentes estruturas e oferta de serviços de saúde, envolvendo a logística para distribuição de insumos, a organização do processo de trabalho e o sistema de financiamento diferenciado.