Associação da Rede Unida, Encontro Sudeste 2019
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2019-10-25
Resumo
Desde a Parada LGBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis) de São Paulo, ocorrida em julho deste ano, fui tocado por um grupo que empunhava cartazes “Velhices LGBT”. Na ocasião me aproximei e quis saber um pouco mais sobre, elogiei o ativismo e fiquei com esse agenciamento, afinal são minhas duas áreas de atuação em pesquisa e extensão, na Universidade Estadual de Londrina (UEL): envelhecimento humano e gênero. Um mês depois, passei uma semana de férias na capital paulista e descobri, ao acaso, a Mostra de Arte e Diversidade Todos os Gêneros, que acontecia no prédio do Itaú Cultural, e para minha surpresa, o tema das quatro mesas de debate era o Envelhecimento LGBT. Pronto, estava eu lá devorando antropofagicamente, na perspectiva de Suely Rolnik, aquele evento que me tomava. Consegui estar na mesa Questão de Gênero, Envelhecimento e Perspectivas; e no dia seguinte, na mesa Envelhecimento dos corpos e/ou do pensamento depois de abertos os armários. O que gostaríamos de não carregar. Na ocasião aproveitei para entrevistar vários participantes das mesas, já que, coincidentemente, o tema estava pautado para o Programa É Babado, Kyrida! Estive inteiro e entregue nos debates das mesas. Tanto que, ao final do segundo dia, fui convidado a compor uma mesa de debates, que a CBN (Central Brasileira de Notícicas), por meio do seu programa 50 Mais, estava organizando, numa gravação aberta ao público, no saguão de entrada do prédio do Itaú Cultural. Não havia me preparado para o tema, perto das outras duas componentes, que tinham participado da mesa de debate do evento, porém o convite era irrecusável, e compreendi como um merecimento, afinal trabalho com essas temáticas, vivo essas temática na pele, uma vez que me encontro com 52 anos de idade. Foi muito complexo dar conta dos questionamentos vindo do público, especificamente de um grupo de Viventes da Rua, que denunciavam questões relativas aos LGBTs, a violência sofrida, a falta de políticas públicas que casais homoafetivos enfrentam ao irem para os abrigos, que não aceitam esse tipo de união, e por essa barreira, muitos casais continuam a viver nas ruas. Nem as Instituições de Longa Permanência aceitam esses casais, e nem mesmo os LGBTs, uma vez, que na grande maioria dos casos, essas instituições estão sobre a administração de grupos religiosos, que desconsideram as orientações sexuais, focados na heteronormatividade, como regra de controle, vigilância e punição. Muitos LGBTs acabam voltando para o armário, para que possam minimamente serem contemplados com as migalhas assistenciais ofertadas. E os LGBTs, que possuem família, principalmente as T - as que sobrevivem aos índices de assassinato e vencem a expectativa de vida imposta a elas – não conseguem retornar para suas redes familiares, sem que sejam obrigadas a destrancionar, deixarem de ser quem são - uma espécie de regra para que sejam aceitas. Um horror! E em mim ficou atravessado, com um nó na garganta, uma angústia latente, visto que algo precisa ser feito, e urgentemente. Os programas foram veiculados em duas partes, uma publicada em 10/08/2019 - Envelhecimento, gênero e diversidade: 'finalmente podemos construir expectativa de futuro' e outra publicada em 17/08/2019 - 'Eu me sinto vulnerável, mas nunca fomos tão protagonistas nas transformações sociais', ambos disponíveis na página do Programa 50 Mais https://audioglobo.globo.com/cbn/podcast/feed/167/50-mais-cbn.
Isso posto, pelo caminho que os afetos me levaram, O Envelhecimento T é a temática que desejo pesquisar em meu pós doc. Sabendo da expectativa de vida de 35 anos da população T no Brasil; do país ser o campeão em assassinatos dos T, geralmente por crimes de ódio; da negação de direitos, de acessos, etc; sabendo que a própria Gerontologia não apresenta estudos relativos a esta população, desconsiderando os índices, os impactos, e a longevidade muitos distintos desta população; observando que os corpos travestis e transsexuais que sobrevivem da prostituição, no ocaso de suas vidas terão muita dificuldade para viver desta profissão; percebendo a falta de políticas públicas, a negação familiar e os impactos relativos ao destrancionamento dos T, como imposição para serem minimamente aceitos em suas redes familiares e/ou de apoio; quero pesquisar como se dá, onde estão e o que fazem as T sobreviventes, que conseguem envelhecer. A intenção com o pós doc, além da pesquisa sobre o tema, é realizar um memorial de idosos T, que dê visibilidade a estas memórias e contribua para estudos sobre esses corpos não normatizados, tanto para sociedade, como também para a própria Gerontologia, que não apresentou, até o momento, estudos sobre esse tipo de envelhecimento. Pelo direito das travestis e transexuais de envelhecerem; pelo desenclausuramento destes corpos, que muitas vezes se restringem à mobilidade, por uma série de fatores a serem estudados; pelo direito aos corpos T não matáveis; pelo direito a constituir memórias e registrarem essas memórias. São muitas as afetações e os agenciamentos! A pesquisa em construção vem pautada pela proposta metodológica da Cartografia Sentimental, de Suely Rolnik, que bebe em Deleuze e Guattari, para criar essa proposta anti-metodológica das micropolíticas dos afetos. A intenção é a criação de Transbiografias, em que as travestis e os homens e mulheres transexuais possam registrar suas memórias sobre o envelhecimento humano, trazendo para a memória oficial da academia, os processos de envelhecimento singulares acerca desta população.