Associação da Rede Unida, Encontro Sudeste 2019
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2019-11-11
Resumo
Desde a graduação – como proposta do projeto pedagógico da Universidade Federal de São Paulo, no campus da baixada santista – temos nos deparado com os conceitos e as teorias do campo da Saúde Coletiva, paralelamente às experiências com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), sobretudo atuando com os sujeitos nos diferentes territórios no entorno da universidade
Nos últimos dois anos, vinculada ao Programa de Residência Multiprofissional (PRM) em atenção primária à saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Santos, venho compondo diferentes leituras e experiências junto aos serviços que culminaram na ideia de des/decolonização do pensamento, especialmente agora, com o meu Trabalho de Conclusão da Residência (TCR).
O objetivo que defini para o TCR foi analisar a experiência de formação em serviço, a partir do PRM, tendo como eixo estruturante a percepção dos residentes com relação ao seu processo de formação, com intuito de traçar um paralelo entre as experiências anteriores à residência para identificarmos as contribuições do PRM para a formação e transformação das práticas em saúde.
Entendo que a Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) é a possibilidade de um mergulho em uma condição e cenário específicos e neste processo respiramos, vivemos e sonhamos com a residência para além do tempo e do lugar dela. As sessenta horas semanais de atividades se transformam cento e sessenta e oito horas, pois as vivências ficam impregnadas em nós.
Para problematizar a respeito, trazemos as ideias de Bondía (2002), para quem a experiência qualifica o existir. Ele afirma: para que as experiências existam em nós, é necessário que elas nos atravessem, que elas nos toquem. São únicas e irrepetíveis. Mas para que isso aconteça é necessário a prática da reflexão, da interrupção dos processos, da escuta, do pensar mais devagar, do parar para olhar (BONDÍA, 2002).
Nessa direção, propus rodas de conversa: um momento em grupo, em que falamos das vivências, do que sentimos, pelo que fomos tocados e marcados. Trabalhei com a metodologia de “grupo focal”, onde o “facilitador” tem o papel de conduzir a conversa para o tema principal do encontro:“conceito e trabalho em saúde”. No grupo focal, os colegas falaram sobre sentirem-se transformados profissional e pessoalmente ao passar por esse processo formativo e também ressaltaram o sofrimento decorrente dele.
No que diz respeito ao sofrimento, as conversas estiveram voltadas para as questões organizacionais da formação: sentiram falta de uma estrutura em que os horários, datas e locais fossem definidos com antecedência e de que algumas atividades fossem definidas pela coordenação do curso. O dia-a-dia do trabalho na atenção básica também foi apontado como um motivo que causa desgaste e sofrimento, no sentido da complexidade dos casos discutidos e a vulnerabilidade das famílias que vivem nos cenários em que atuamos.
Houveram arranjos entre os residentes e a coordenação do Programa em relação a autonomia de organização da agenda de atividades e de espaço para propor ações no campo. Entretanto, não se sentem suficientemente valorizados nos cenários em que atuam, justamente porque são residentes. Ainda há um “preconceito” contra o profissional nessa condição da sua formação.
Os PRM tem como princípio estruturante o trabalho interdisciplinar e a formação em serviço. A criação e desenvolvimento destes programas se justificam por aproximar os profissionais de saúde à realidade do SUS, por formar a partir das relações sociais presentes em seus espaços formativos e tem como objetivo superar a fragmentação do conhecimento e do cuidado em saúde (SILVA, 2018; SILVA E CABALLERO, 2010). Para Carvalho e Ceccim (2017), a formação se dá pela adaptação ao cotidiano, convergindo com os princípios do SUS e ao mesmo tempo leva em consideração sua realidade histórica.
No que tange a organização e estruturação da formação, trabalhamos no território vivo, portanto, tudo acontece em um contexto aberto e não endurecido. Território vivo pois é o espaço de construção das relações onde se produz o sujeito – seja o profissional de saúde, seja o usuário do SUS – onde somos fabricantes e fabricados, individual e coletivamente. Agimos no cotidiano dos sujeitos, “[...] na relação em si e no cenário em que ele se encontra” (SILVA E CABALLERO, 2010, p. 66).
Em vários momentos, ao longo da residência, acreditamos que teríamos liberdade para a ação profissional e ao mesmo tempo, teríamos garantidos os espaços para refletirmos sobre as ações e nos apropriarmos de ferramentas das diversas tecnologias (leves, leve-dura, dura, à depender do contexto e dos cenários).
Efetivamente, esse modelo de formação propõe algo desafiador: reconhecer que o aprender acontece ao longo do fazer, de fazer e, assim, aprender com o outro, enquanto o outro aprende com você. Nesse sentido, temos percebido que não estamos preparados (se é que é possível estar) para compor, reconhecendo e qualificando as consequências e os efeitos do fazer junto em nós e no outro.
Considerando que a reinvenção das realidades está completamente determinada pelos processos de subjetivação e pelas subjetividades (CARVALHO e CECCIM, 2017), é fundamental problematizar a respeito e insistir a partir das experiências singulares.