Associação da Rede Unida, Encontro Sudeste 2019

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Intersetorialidade na prática – experiências da construção de uma rede intersetorial em um município de pequeno porte
Mariana De Gea Gervasio, Natália Rejane Salim

Última alteração: 2019-10-28

Resumo


Esse texto é o relato de experiência de uma obstetriz que coordenou a implantação de um Centro de Referencia de Assistência Social na cidade de Corumbataí, interior de SP. O município é de pequeno porte, com cerca de 5000 mil habitantes. Nos dois anos em que fiquei como coordenadora, o munícipio tinha como estrutura: uma escola de educação infantil, uma escola de ensino fundamental, uma de ensino médio, uma única unidade de saúde, e até aquele momento, apenas uma coordenação de ação social, responsável por algumas questões pontuais da política da assistência social. Sendo o CRAS naquele momento, um novo equipamento na cidade, no qual muitas pessoas nunca nem haviam ouvido falar. No mestrado eu já havia estudado sobre a saúde do município, como acontecia o dialogo entre as práticas e a política, dessa forma, tinha já um conhecimento sobre a parte da saúde e a importância de estar amparada na teoria, tendo como plano de fundo as diretrizes das políticas publicas. Então, durante todo o trabalho da implantação do CRAS, um dos maiores desafios foi efetivar um serviço que fosse pautado nas diretrizes das políticas e dos programas do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), visto que num primeiro momento, a grande maioria das pessoas achava que esse novo equipamento na cidade seria apenas “pra entregar cesta básicas de alimentos e fazer cadastro do Bolsa Família”. Foram meses de muitas reuniões de equipe, conversas, diálogos, leituras e debates sobre qual era o papel do Centro de Referencia de Assistencia Social na cidade. Claro que não existe uma receita, uma fórmula a seguir que garanta sucesso. Mas é preciso tentar e buscar o ideal. Um caso pode ajudar a exemplificar o contexto. Já em funcionamento há alguns meses, recebemos certo dia um encaminhamento da saúde de uma usuária para verificação de benefícios, já que ela sempre procurava o posto de saúde, frequentemente ela tinha dores, e passava pelo menos 1 vez por semana, e assim iniciamos o acompanhamento que modificaria toda uma relação entre os setores da cidade. Já logo num primeiro atendimento daquela usuária, a equipe do CRAS identificou múltiplas vulnerabilidades daquela mulher e daquela família. Foram meses em acompanhamento, insistindo em um diálogo com a saúde para que esse caso fosse acompanhado mais de perto e com a educação para que acolhesse a situação da criança. Após alguns meses, o quadro de saúde dessa usuária se agravou, ela ficou internada por alguns dias, até que ela veio a falecer. Seu diagnóstico final foi de lúpus eritematoso sistêmico. Já desde o início do acompanhamento, me questionava em relação a rede de serviços da cidade, como esse acompanhamento acontecia, porque era tudo tão difícil pra ela e para sua família, uma mulher negra, pobre, pouco escolarizada, jovem, com histórico de diversas violências sofridas, com um companheiro migrante, sem família na cidade, trabalhador rural, que apresentava comportamentos desrespeitosos com a família, e por vezes violento, e uma filha, criança, negra, no início da vida escolar, que já havia visto a mãe passar por diversas situações de violência. Eles eram o estereótipo da família em extrema vulnerabilidade social. E mesmo buscando, era necessário um enorme investimento da equipe do CRAS para que fosse garantido um mínimo de acesso e seguimento para a família. Contudo, foi somente após o falecimento dessa jovem, que vários pontos do atendimento e da assistência que ela recebeu, seja pela saúde, seja pela equipe do CRAS, seja até mesmo pela educação (ela tinha uma filha que frequentava a educação infantil naquele ano), começaram a ser de fato questionados, e nesse momento, criamos, a partir da iniciativa da equipe do CRAS, uma rede interssetorial. O objetivo dessa rede era articular as atividades desenvolvidas com as famílias entres os diversos setores. Faziam parte da rede: saúde, educação, assistência social, conselho tutelar. A cidade já era tão pequena, e as famílias acompanhadas muitas vezes eram as mesmas, assim, decidimos articular cada vez mais os atendimentos para fortalecer e assegurar o acompanhamento de todas as demandas dessas famílias. As reuniões eram mensais, aconteciam na primeira sexta-feira do mês, e duraram por um período de quase um ano (após minha saída como coordenadora da unidade do CRAS não tive mais noticias sobre essa rede). Durante as reuniões da rede era possível observar quão frágil e necessário era esse diálogo. Os equipamentos sozinhos, não davam conta da demanda de cada família/usuário, e por vezes, eles identificavam problemas e questões que só apareciam pra eles, mas que era necessário um compartilhamento e comprometimento com outros serviços para que a demanda fosse, de fato, solucionada. Pensando enquanto profissional de saúde, vejo o quanto é necessário essa articulação de serviços, redes, usuários, profissionais e gestores para que a política pública desenhada no papel se concretize. Temos muitas ferramentas, mas é necessário agir, e por vezes resistir. Nesse processo de construção das reuniões intersetoriais,  anotávamos, praticamente com uma ata de reunião, os compromissos assumidos por todos os equipamentos de atenção social do município. Buscávamos realizar um diálogo, onde cada profissional/gestor apresentava seu ponto de vista e sua questão sobre o caso para em seguida, buscar uma articulação e prováveis desdobramentos, além do compromisso assumido entre essas esferas. Creio que articular a rede de atenção seja hoje um grande desafio, independente do tamanho da cidade, é necessário incluir essas questões da formação dos profissionais, embutir enquanto agenda de gestão. O dialogo estabelecido durante o período em que desenvolvemos as reuniões intersetoriais possibilitaram, além de um acompanhamento mais efetivo, pois sabíamos quais eram as ações de outros setores, estabelecer também quais eram os casos prioritários, aqueles que necessitavam de um olhar guiado para resposta de seus problemas e suas questões e em quais momentos qual dos setores deveriam atuar primeiro, enfim, reger também a forma como o sistema se organizada perante a demanda recebida. Dessa forma, é um enorme desafio atuar em consonância com os diversos setores, dar visibilidade as desigualdades sociais, tendo elas também como norteadoras do processo, pensando que além das políticas públicas do cotidiano, são pessoas/famílias que dependem dos serviços, e para isso é necessário dar um primeiro passo, a experiência relatada mostrou resultados positivos e possibilitou um acompanhamento mais efetivo de diversas famílias na comunidade.
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