Associação da Rede Unida, Encontro Sudeste 2019
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2019-10-28
Resumo
As ações de um grupo de parteiras para superar as barreiras de acesso de bebês nascidos em domicílio às Políticas Públicas de Saúde da Criança no primeiro mês de vida: resistir, insistir, dialogar e produzir ações de cuidado centrado nas mulheres e crianças
A midwifery group´s struggle to overcome the barriers of access of home-born babies into the Public Health Policies of Children during their first month of life: resistance, persistence, dialogue and women and child-centered care actions. Las acciones de un grupo de partería para superar las barreras de acceso de los bebés nacidos en casa a las Políticas de Salud Pública del Niño en el primer mes de vida: resistir, insistir, dialogar y producir acciones de atención enfocadas en las mujeres y niños.
Profª Drª Roselane Gonçalves, Profª Drª Jacqueline I M Brigagão - Docentes do Curso de Obstetricia da EACH /USP Lilian Godinho Hokama- Obstetriz(EACH/USP) Ana Clara Cerqueira, Eduarda Letícia da Silva Leite, Juliana Santos Cruz, Lethicia Caroline de Oliveira França – Graduandas do Curso de Obstetricia EACH/USP.
email: roselane@usp.br
Palavras chave: Política Pública de Saúde; Saúde da Criança; Parto Domiciliar Planejado.
Nós somos um grupo de parteiras que atua na área da saúde da mulher no período reprodutivo, realizamos atividades de promoção da saúde e acompanhamento de pré-natal, partos domiciliares e pós-parto, desde 2014 no município de São Paulo e na região do Alto do Tietê. Esse trabalho focaliza as lutas que temos empreendido para que as profissionais, que atuam nos partos domiciliares tenham acesso e preencham as Declarações de Nascidos Vivos (DNV) e que as crianças nascidas neste contexto possam ter acesso às ações de saúde previstas pelo Ministério da Saúde que inclui: realização da triagem neonatal; vacinação contra hepatite B e BCG, além da consulta pediátrica na primeira semana de vida.
A atuação em partos domiciliares nos colocou diante de muitos desafios, já que no Brasil há um modelo de assistência ao parto tanto público quanto privado que preconiza o parto como um evento hospitalar. Assim, no sistema oficial, os partos domiciliares somente são previstos para os locais que tem difícil acesso a hospitais e poucos profissionais, e para populações tradicionais como indígenas e quilombolas . (BRASIL, 2010). A exceção desse modelo é a iniciativa inovadora o Hospital Sofia Feldman de Belo Horizonte-MG que, desde dezembro de 2013, criou um serviço de parto domiciliar financiado integralmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, por mais que seja considerado um local seguro para nascimentos em gestações de risco habitual e que o Ministério da Saúde do Brasil tenha reconhecido que é direito da mulher a escolha pelo local do seu parto, não há diretrizes relativas ao parto domiciliar planejado no SUS, não faz parte das políticas públicas e não é coberto pela saúde suplementar. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Desse modo, o acompanhamento profissional se dá enquanto um serviço privado e a escolha pelo parto domiciliar, em geral, impõe à mulher, à sua família e aos profissionais que os assistem a necessidade de desenvolver estratégias para superar as inúmeras dificuldades de acesso a programas e políticas de saúde relacionadas à saúde do bebê no período pós-natal.
Desde o primeiro parto domiciliar que acompanhamos nos defrontamos com a inexistência de acesso ao documento oficial para o registro civil da criança (DNV). Isso porque, como tudo que diz respeito ao parto gira em torno dos hospitais, o sistema de informação sobre nascidos vivos (SINASC) também foi organizado basicamente vinculado aos hospitais e serviços de saúde. Então, procuramos as responsáveis pelo SINASC do município de São Paulo e começamos um diálogo sobre a importância da DNV ser preenchida pelas profissionais que assistiram ao parto. A coordenação do SINASC-SP, entendendo a relevância de incluir no sistema de informação do município a identificação dos partos domiciliares planejados, já dispunha de um sistema de cadastro para profissionais envolvidos nessa assistência, desde 2009 e já compilavam essas informações. O cadastro dos profissionais inclui dados pessoais, de formação, registros no conselho profissional, além do preenchimento de um termo de compromisso e responsabilidade para a retirada dos formulários. Assim, apesar de atuarmos também em outros municípios, o SINASC-SP concordou em nos incluir nesse cadastro e nos fornecer as DNV.
Com o passar do tempo e aumento da demanda por atendimento nos municípios do Alto Tietê, fomos orientadas pelo SINASC-SP a obter a DNV em cada município que atendíamos. Essa busca foi alvo de muitas lutas e articulações feitas diretamente com as Coordenadorias da Vigilância Epidemiológica (CVE) dos municípios. Iniciamos uma conversa na Coordenadoria do Estado que foi, aos poucos, nos apresentando para gestores municipais de saúde. Em cada município onde iríamos fazer o acompanhamento de um parto domiciliar planejado, fazíamos a peregrinação em busca do cadastro nas secretarias. Atualmente, na região do Alto Tietê o acesso tem sido facilitado pois existe uma rede formada por representantes da rede cegonha de cada município e os profissionais que a compõem conversam entre si. É usual sermos chamadas para uma reunião informativa sobre nosso trabalho, apresentarmos os documentos exigidos e sermos acolhidas nessa demanda.
Da mesma forma as políticas e programas dirigidos para o recém-nascido estão organizados e baseados na institucionalização dos partos. Então, além do acesso à DNV, também precisamos articular diálogos para que o bebê nascido em domicílio possa ter acesso às vacinas do período neonatal, à primeira consulta pediátrica e aos exames da triagem neonatal (Teste da orelhinha; Teste do olhinho; Teste da linguinha e Teste do pezinho). A triagem neonatal é um conjunto de ações preventivas para identificar doenças metabólicas, genéticas, enzimáticas, endócrinas, cardiopatias congênitas, deficiência auditiva e doenças oculares. O acesso dos recém-nascido à essas ações está amparado em diversas políticas que garantem o direito à atenção integral à saúde por meio do SUS, (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016) e leis que garantem o direito aos exames de triagem neonatal. Com exceção do teste do coraçãozinho que é feito pelas profissionais no contexto domiciliar, todos os outros exames da triagem podem ser realizados nos postos de saúde ou serviço de referência. Este direito está previsto também no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, além de reiterar os direitos da criança, também salienta a necessidade de articulação dos serviços, órgãos e instituições para assegurá-los. Na nossa trajetória, em cada um dos municípios de atuação nos deparamos com alguns entraves e negativas de acesso aos serviços. Nesse relato, destacamos nossa experiência envolvendo: Mogi das Cruzes, Suzano, Poá e Guararema
Em Mogi das Cruzes o caminho escolhido inicialmente foi o de encaminhar as mulheres e seus pares com seus bebês às Unidades Básicas de Saúde (UBS) da referência da sua residência. Por mais e melhor informados que estivessem, as famílias sempre passavam por desgastes com os questionamentos e, em muitas ocasiões, negativas por parte dos profissionais em atender as necessidades apresentadas. Fizemos varias tentativas de dialogo com as/os gestores locais, mas esses sempre se recusavam a repensar a logica vigente e incluir as demandas das mulheres e seus bebes. Recorremos à CVE do Estado de SP e iniciamos a articulação que nos colocou em relação direta com cada coordenação municipal. Assim, em 2017, uma das coordenadoras de saúde da secretaria municipal interessou-se pela questão e nos recebeu para que pudéssemos desenhar juntas uma estratégia que se transformou num fluxo para todos os bebês nascidos em domicílio na cidade acompanhados pela nossa equipe. O fluxo consiste em notificarmos o programa denominado “Mãe Mogiana” sobre o nascimento da criança, transmitindo dados clínicos e obstétricos e recebermos notificação com o agendamento da primeira consulta pediátrica, realização do teste do olhinho, coleta do teste do pezinho (feitos na unidade Mãe Mogiana) e os testes da orelhinha e linguinha, que são realizados pela fonoaudióloga da Maternidade da cidade. Em Guararema iniciamos os diálogos em 2015, e em 2016, estabelecemos o fluxo de assistência aos bebês nascidos em domicílio junto à secretaria municipal de saúde do município. Em Suzano solicitamos à Vigilância Epidemiológica do município cadastro para o acesso à DN, sendo necessário o apoio da CVE do Estado para intermediar e esclarecer a nossa demanda porém, somente conseguimos viabilizar o fluxo de atendimento quando um profissional da rede municipal conseguiu marcar uma reunião conosco e as gestoras da secretaria municipal, ficando definido que os atendimentos serão realizados na UBS de referência e na maternidade da cidade. Em Poá realizamos reunião com a coordenadora da rede cegonha do município de Poá e, como a cidade ainda não dispõe de maternidade, todo o fluxo foi construído envolvendo a UBS de referência da residência da família, o Centro Médico Especializado do município e uma parceria com o hospital regional de Ferraz de Vasconcelos (município vizinho). Vale ressaltar que o que nos leva a procurar a gestão do município para desenhar o fluxo é a demanda por partos domiciliares; a medida que atendemos os casos vamos construindo esses fluxos e buscando garantir que as crianças nascidas no domicilio tem seus direitos respeitados e possam ser atendidas no SUS.