Associação da Rede Unida, Encontro Sudeste 2019

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Os Projetos Terapêuticos Compartilhados como estratégia formativa do médico - Experiências no Curso de Medicina da UFRJ Macaé
Daniel Emílio da Silva Almeida, Karla Santa Cruz Coelho, Helvo Slomp Junior, Kathleen Cruz, Leandro Goncalves, Emerson Elias Merhy, Mirani Barros, Maria Paula Cerqueira Gomes

Última alteração: 2019-10-28

Resumo


Palavras chave: Projeto Terapêutico Compartilhado, Formação em Saúde, Cuidado em Saúde



...o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes.”(pág. 79, Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, 1987)



Introdução

Fazemos menção neste resumo a mais uma estratégia formativa do curso de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro do Campus Macaé.

Em um campo de disputa de práticas referente às Universidades Públicas, temos como desafio cotidiano, calcado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação médica (BRASIL, 2014), a formação de profissionais de saúde voltados à perspectiva de que a saúde integral como um direito social, orientado segundo  as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), um patrimônio brasileiro.

Frente a um cenário no qual observamos constantes ataques à própria existência das Universidades Públicas, que desconsidera iniquidades e demandas reais da população brasileira, a pergunta chave ao Encontro Sudeste da Rede Unidade soa recorrentemente aos nossos ouvidos: quais práticas poderíamos ofertar de modo a trazer visibilidade a modos de existir, resistir, e produzir cuidado e vida nos espaços em que atuamos, formando e ao mesmo tempo problematizando as políticas públicas de saúde?

Coerentes com o Plano Pedagógico do Curso (PPC) de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com sede no município de Macaé, estado do Rio de Janeiro que visa a formar profissionais médicos, qualificados dos pontos de vista técnico-científico, ético e humanista, capazes de gerar e disseminar conhecimentos científicos e práticas que expressem efetivo compromisso com a melhoria do atendimento às necessidades de saúde da sociedade brasileira, trazemos algumas experiências formativas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Campus Macaé, das disciplinas de Saúde da Comunidade, nos três períodos iniciais dos graduandos em Medicina.

No curso de Medicina três disciplinas são ofertadas a partir de um enfoque de docentes vinculados a Saúde Coletiva, e cada uma tem uma propostas respectivamente: a Saúde da Comunidade 1 parte do conhecimento do território, a 2 das Redes de Atenção e a 3 da Produção do Cuidado em Saúde. Neste resumo, focaremos na experiências concernente à última.

Calcadas na ideia de que os processos formativos devem ser direcionados a partir das necessidades de saúde do território, os docentes conformaram a experiência dos campos, a partir de equipamentos das próprias redes de serviços de saúde públicos do município de Macaé/RJ. Sendo que, para visibilizar as necessidades de saúde relacionadas ao campo de práticas, várias ferramentas se propõe a colocar em análise os processos de cuidado em permanente disputa no cotidiano dos serviços, tendo como eixo central um processo formativo fortemente calcado nas experiências e in-mundização dos próprios graduandos do curso de Medicina (Larossa Bondía, 2002; Abrahão et al., 2017).

As conexões existenciais como substrato para o processo de cuidado: usuários-guia como base para a constituição de Projetos Terapêuticos Compartilhados



Em uma disciplina subsequente, que ocorre a seguir, no terceiro período da graduação em Medicina, uma outra modelagem formativa é ofertada, tendo o cuidado de si e do outro como foco da disciplina, e que se mostra em constante confecção e reestruturação a partir dos processamentos coletivos entre os docentes e discentes. Há um currículo de base que da disciplina anterior para esta dá um passo: é preciso experienciar mais de perto os processos cuidadores (ou nem tanto) que o usuário vivencia. Muda o ponto de vista, mudam os pontos a partir do qual se dá voz ao que outras vistas apreendem.

Nesse sentido, o que sustenta essa formação toma como princípio, definido pelas DCN, a flexibilização curricular, que abre possibilidades para articular a teoria com a prática – o que é considerado científico e os problemas de saúde da população – por meio de projetos de extensão, inserção precoce dos estudantes na rede de serviços, criação de espaços para que os problemas vividos no cotidiano dos serviços sejam discutidos com base nos conhecimentos científicos essenciais da formação profissional.

Partindo-se da concepção de que o processo de cuidado deve ser inundado pelas conexões de vida que são disparadas em toda a rede existencial em confecção pelos usuários, fazemos uso da ferramenta do usuário(a)-cidadão-guia (Moebus;  Merhy; Silva, 2017).

Assim, no processo formativo desta disciplina, há como um dos principais produtos a confecção e oferta de materiais, tanto empíricos como teóricos, que possibilitem o exercício de construção de Projetos Terapêuticos Compartilhados (PTC) para alguns usuários, contemplando-se suas respectivas equipes (Slomp Jr et al, 2015).

Sendo que, a escolha no material de fazer uso de PTC, parte da ideia de uma produção que almeja ir além do uso de todos os recursos possíveis, do enfrentamento de todos os fatores destrutivos ou de risco, e sim buscar o cerne do projeto terapêutico como ferramenta, constituído a partir das experiências na área de Saúde Mental, que é o compartilhamento do cuidado, a pactuação coletiva de tudo isso (Slomp Jr et al, 2015).

PTC disparado e em construção com as equipes, e a partir da in-mundização dos graduandos com a vida dos usuários. Movimento de envolvimento que é determinante na confecção do próprio processo formativo dos grupos.

Parte-se de um equipamento, alçamos o território, seguimos para a vida, e a partir da vida e de constantes processamentos, retornamos aqui e lá. Este retorno pactuado e coletivo confecciona nossos próximos passos, como ponto de partida o que é visto na prática dos serviços, o elemento condutor da aprendizagem e os processos desencadeados através dos grupos tutoriais. Um momento de grande reflexão se dá ao se registrar suas impressões no diário de campo e a possibilidade de compartilhar com o coletivo as sensações, afetações, as motivações para a busca do conhecimento. Neste momento com os  tutores retomamos com as equipes questões que já fazíamos lá na disciplina anterior:

  • É necessário visitarmos mais equipamentos?

  • Quais próximos equipamentos poderíamos visitar?

  • Retornamos à vida do usuário(a) para mais conversas?

  • O que os trabalhadores ofertam mais experiências quanto ao processo de cuidado destes usuário(a)s?

  • O que teremos que trabalhar a mais, como coletivo, para a construção de um Projeto Terapêutico Compartilhado - PTC?

  • Quais as fontes narrativas que utilizamos? As conversas com os usuários, visitas domiciliares, famílias, profissionais de saúde, prontuários…?



Os encontros forjarão os próximos passos, constituindo um processo formativo vivo e em ato, em constante processamento coletivo do campo, e com todos os docentes de modo permanente.



Considerações finais

Apresentamos aqui mais um resumo que é fruto da  construção contínua frente a processamentos coletivos e espaços de auto-avaliação com graduandos. Construção que se calca em um forte processo problematizador, que dialoga de forma intensiva com processos de Educação Permanente em Saúde (Slomp Jr et al, 2015).

A aposta é a de que a formação faça uso de afecções em campo como matéria-prima privilegiada para o ensino. As redes vivas de conexões existenciais e a abertura ao envolvimento com a vida dos usuários, longe de se mostrar como um entrave frente aos desafios atuais e flagrantes no campo das políticas sociais, se mostra como campo de grande riqueza. Ofertamos assim mais uma de nossas experiências de formação-resistência neste espaço, ainda em invenção.



Referências:

Abrahão AL, Merhy EE, Cerqueira Gomes MP, Tallemberg, Chagas MS, Rocha M, Santos NLP, Silva E, Vianna L O pesquisador in-mundo e o processo de produção de outras formas de investigação em saúde. Merhy EE, Baduy RS, Seixas CT, Almeida DES, Slomp Junior H (Orgs.). Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. 1 ed. Rio de Janeiro: Hexis, v. 1, 2017, p. 22-30.

BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ.,  Rio de Janeiro , n. 19, p. 20-28, Apr. 2002 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782002000100003&lng=en&nrm=iso>. access on  25 Oct. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3 de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 23 jun. 2014; Seção 1, p. 8-11.

Freire, P. Pedagogia do Oprimido, 17a edição, Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra, 1987.

Macaé/RJ. Universidade Federal do Rio de Janeiro - Campus Macaé. Curso de Medicina de Macaé. Disciplina de Saúde da Comunidade III. Manual do Aluno. 2019 (mimeo)

Macaé/RJ. Universidade Federal do Rio de Janeiro - Campus Macaé. Curso de Medicina de Macaé.Plano Pedagógico do Curso. Manual do Aluno. 2009 (mimeo)

Moebus, Ricardo Narciso; Merhy, Emerson Elias; Silva, Erminia. O usuário-cidadão como guia. Como pode a onda elevar-se acima da montanha. In: Merhy EE, Baduy RS, Seixas CT, Almeida DES, Slomp Junior H (Orgs.). Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. 1 ed. Rio de Janeiro: Hexis, v. 1, 2017, p. 43-55.

SLOMP JUNIOR, Helvo; FEUERWERKER, Laura Camargo Macruz; LAND, Marcelo Gerardin Poirot. Educação em saúde ou projeto terapêutico compartilhado? O cuidado extravasa a dimensão pedagógica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 20, n. 2, p. 537–546, 2015.

Participação Social e Equidade - SES-RJ: Ações Integradas. Disponível em: <http://saudeparticipativarj.blogspot.com/p/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x.html>. Acesso em: 23 out. 2019.