Associação da Rede Unida, Encontro Sudeste 2019

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Experiências antimanicomiais - reflexões sobre modos de resistência cotidianos no Sistema Único de Saúde (SUS)
Daniel Emílio da Silva Almeida, Thamiris Goncalves, Isabella Leite, Maria Paula Cerqueira Gomes, Bethania Silva

Última alteração: 2019-10-28

Resumo



Palavras chave: Atenção Psicossocial, Saúde Mental, Serviços Residenciais Terapêuticos
Os reveses do refluxo do autoritarismo neoliberal - a constituição de novas formas de resistência   “Pensando em formas de resistência, olho para as  nas Residências Terapêuticas, e para o momento que estamos passando… Não temos convênio, não temos salário e seguimos resistindo muito a partir da cidade, desse cuidado em liberdade, do território.  Algo que os cuidadores têm falado muito e que me chama atenção,  é que se sustentam na luta pela relação com os moradores, pelos encontros que tiveram e que modificaram eles na vida”.O Sistema Único de Saúde (SUS) Brasileiro, apenas por sua existência, se mostra como um grande forma de resistência frente às formas de operar neoliberais-autoritárias dos tempos atuais. A constituição do SUS, levado por uma miríade de movimentos que foram nomeados como “Reforma Sanitária Brasileira”, foi fortemente calcada em um grande esforço por constituir o Brasil mais uma vez como um país democrático e solidário, mesmo frente a todo um refluxo internacional que prezava pela busca por estados mínimos e toda crise dos sistemas de bem estar social.Em meio a esta disputa, a Luta Antimanicomial brasileira é um acontecimento de grande riqueza, e em conjunto com o movimento da Reforma Sanitária Brasileira, ao se misturarem e potencializarem, trouxeram implicações políticas importantes para o país, que passa a protagonizar e a construir coletivamente outros paradigmas para a assistência às pessoas com transtornos mentais, assim como para a própria produção do conhecimento em nosso território.De acordo com Amarante (2000), a Reforma Psiquiátrica aparece como possibilidade de um outro modo de se pensar a assistência psiquiátrica, a contar da criação de outros dispositivos e estratégias de cuidado, comprometida com a saúde enquanto responsabilidade do Estado, com a implementação de mecanismos de reinserção social e ressocialização dos usuários. Reconhecendo o que se deu posteriormente como os serviços do SUS, e especialmente nos serviços de saúde mental, uma aposta importante na produção de novos modos de cuidar diretamente nos diferentes territórios,  começaram a ser construídas,   mais abertas às formas de existência dos usuários. Mudanças que se mostravam como grandes desafios para o processo da Reforma Psiquiátrica, já que a simples oferta de novos equipamentos não garante a transformação da prática realizada no campo da saúde mental. Sendo assim, é fundamental o arranjo entre os trabalhadores, na busca por modos inventivos de produção de cuidado e na procura por produções mais coletivas e compartilhadas desse fazer.Segundo o Ministério da Saúde (2003), o modelo hegemônico hospitalocêntrico é substituído paulatinamente por outros modelos de atenção, direcionados por serviços comunitários territoriais, como, por exemplo, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as Residências Terapêuticas (RTs), ambulatórios, centros de convivência, internações em hospitais gerais, Estratégia de Saúde da Família (ESF) e outros equipamentos de saúde e de assistência, cultura, justiça, lazer, esporte e educação.Atualmente vivemos em todo território nacional o desmantelamento em marcha do SUS. Referente aos serviços de saúde mental, incluindo alterações normativas, que seguem na contramão do processo da Reforma, como a ampliação do financiamento dos hospitais psiquiátricos e a redução do cadastramento de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Sendo assim, muitos dispositivos correm risco de deixar de existir.Pensando na importância da resistência no campo da saúde mental, e dos desdobramentos desta em produção de vida, compartilhamos o relato de experiência a partir de um dos encontros dos autores com o Serviço Residencial Terapêutico (SRT) instituído no ano 2000 por meio Portaria nº 106/GM/MS (BRASIL, 2000). 
Novas modelagens organizacionais, de clínica e de cuidado: as SRT’s como estratégia de resistência cotidianaAs SRT’s foram serviços pensados a partir da necessidade de acolher egressos de longa internação, tendo em sua história a marca do abandono familiar e a perda de vínculos decorrente dos anos de institucionalização. Entendemos o SRT como estratégico no processo de desinstitucionalização, sendo este um dispositivo de cuidado complexo na medida em que tem como especificidade ser um híbrido de serviço e casa. Segundo Delgado (2006) quanto menos clínica e terapêutica a residência se propuser, mais será eficaz enquanto clínica e estratégia de desinstitucionalização. A partir do trabalho desenvolvido pela equipe de seguimento de um dos CAPS III do Município do Rio de Janeiro, podemos construir reflexões acerca deste cuidado que introduz novas formas e desafios de se pensar esse delicado manejo entre a clínica e o cuidado, o que poderíamos chamar aqui de “clínica do morar; Uma “clínica do morar” que convoca a todos os operadores desse encontro a reconfigurar as ofertas de cuidado, constituindo arranjos que se portam e se colocam fortemente calcados na produção de autonomia e ampliação das redes de conexões existenciais, tão esgarçadas e recortadas pelas instituições asilares  (PASSOS, 2019, MERHY, 2013). Invenções exploradas por este resumo, fruto da experiência da produção do cuidado em liberdade, a partir do olhar cotidiano, e da exigência de um cuidado inventivo próximos aos usuários e seus modos de vida. Cuidado que suporta, como experiências de suma importância, a vivência realizada por uma das autoras, na construção de duas viagens realizadas com os moradores dos Serviços Residenciais Terapêuticos para lugares distintos do Rio de Janeiro (Búzios e Paraíba do Sul). Experiência que aborda a importante questão da circulação na cidade, ponto nodal para as novas modelagens de cuidado e clínica pela reforma psiquiátrica, assim como do próprio SRT enquanto dispositivo que possibilita e visa a produzir novas conexões existenciais e encontros permeados pelo afeto. Vivência de viajar com os moradores que deu passagem pra muitos sentimentos e memórias afetivas. Algo que tornou possível acessar um pouco mais da história de vida de cada um, descobrir gostos, desejos nunca ditos anteriormente, construir uma playlist coletiva, fazer pizza juntos e viver momentos de muita tensão também, com a primeira crise convulsiva de um dos moradores. Nesse momento político extremamente delicado diante de tantos retrocessos no campo da saúde pública, faz-se fundamental dar visibilidade e legitimar as práticas de cuidado construídas pelos serviços de saúde mental, tendo como um dos exemplos possíveis as discussões referentes às narrativas e a vivências de quem experimenta a vida em um SRT, assim como, dos profissionais que sustentam em ato este trabalho no cotidiano do serviço.Essa é a aposta desse relato: reafirmar a potência e o êxito das experiências do SUS e da Luta Antimanicomial Brasileira. Lutas que trazem movimentos reconhecidos mundialmente, e que souberam beber em experiências externas sem deixar de produzir as suas próprias, de grande valor, tornando possível atravessar uma linha, que para muitos era vista como de impossibilidades, qual seja: a da potência criativa da busca e da própria produção incessante do cuidado em liberdade e de uma sociedade sem manicômios. 
Referências:AMARANTE, P. O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. (Otg.). In: Ensaios-subjetividade, saúde mental e sociedade. Rio de janeiro: FIOCRUZ, 2000. p. 141-168.
BRASIL. DOU. PORTARIA Nº 106, DE 11 DE FEVEREIRO DE 2000 MINISTÉRIO DA SAÚDE GABINETE DO MINISTRO. p. 4, .
DELGADO, P. G. Instituir a desinstitucionalização: o papel das Residências Terapêuticas na reforma psiquiátrica. In: Desinstitucionalização: a experiência dos Serviços Residenciais Terapêuticos. Cadernos da IPUB: no 22, Rio de Janeiro: UFRJ/IPUB, 2006.PASSOS, E. A clínica do morar. I Seminário dos Serviços Residenciais Terapêuticos da Cidade do RJ 06-02-13.doc. Google Docs. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0B_HpM8Lq6o5MRkFWU09XcHBuMUE/edit?usp=sharing&usp=embed_facebook>. Acesso em: 27 out. 2019.