Associação da Rede Unida, Encontro Sudeste 2019
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2019-10-28
Resumo
Esta reflexão diz respeito ao que venho realizando no ano de 2019 como projeto de pos-doutorado. Uma temporada de estudos tem sido uma oportunidade interessante de distanciamento do cotidiano intenso de aulas, reuniões e atividades nos serviços, em geral com pouco espaço para o pensamento mais apurado, as leituras mais lentas, os momentos de ócio tão necessários para quem lida de forma contínua com pessoas e suas necessidades de apoio, seja os estudantes ou os usuários dos serviços.
Desde 1990 como terapeuta ocupacional na rede municipal de saúde de São Paulo e preceptora de estágios de alunos da USP, e nos últimos 10 anos como docente de universidade federal – UFSCar e UNIFESP Baixada Santista - na formação de profissionais de saúde, com grande investimento na inserção dos estudantes nos serviços do SUS, vivenciando o que existe de potencialidades, limites, contradições, carências e riquezas.
Decidi empreender uma tarefa de uma revisão bibliográfica sobre a temática com a qual tenho lidado nos últimos 18 anos da minha vida profissional e acadêmica: o cuidado à saúde de pessoas com deficiência nos serviços de atenção básica de saúde. O que me motivou foi querer conhecer o quê as pesquisadoras e pesquisadores brasileiros que se interessam por esta temática produziram entre 2008 e 2018 nas revistas científicas.
Os 87 artigos que estou analisando reiteram minha hipótese principal, que é a de que o trabalho de cuidado à saúde das pessoas com deficiências na atenção básica suscita desafios na micro e na macropolítica, tanto no setor da saúde como no intersetor, pois muitas das necessidades identificadas pelos profissionais ou referidas pelas pessoas com deficiência e suas famílias nos serviços de saúde, somente podem ser satisfeitas com tensionamentos nos territórios acerca do que é ser pessoa com deficiência nesse país hoje, e muitos dos profissionais ainda desconhecem ou pouco refletem sobre as pessoas com deficiência enquanto sujeitos coletivos, que também construiu uma história de lutas para pautar suas demandas, e que muito do avanço nas condições de vida desse segmento bastante heterogêneo também entre si, é fruto de políticas públicas construídas pela pressão do ativismo.
Vulnerabilidade pessoal, social e programática, isolamento domiciliar, pobreza, fragilidade corporal, marginalização, discriminação, barreiras geográficas, arquitetônicas, comunicacionais e de atitudes são aspectos que marcam esse grupo em maior ou menor grau. Na atenção básica temos a possibilidade de conhecer as pessoas em seus contextos de moradia, em sua relação familiar, com seus vizinhos, seus territórios, seus pertencimentos, ou não pertencimentos.
Um cuidado implicado com o bem-viver das pessoas com deficiência também precisa passar pela compreensão do percurso histórico e das lutas das pessoas com deficiência como sujeitos coletivos pela afirmação de suas identidades, e cuja mobilização viabilizou a construção de um arcabouço jurídico normativo bastante avançado do ponto de vista dos direitos humanos, como é a convenção dos direitos das pessoas com deficiências da ONU ratificada no Brasil, a Lei Brasileira da Inclusão e a disputa por uma definição de deficiência que não considere somente um diagnóstico médico que ocasionou uma lesão, mas que dirija o olhar para a interação desses corpos com lesões com ambientes que podem obstruir ou facilitar sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições cm outras pessoas. Nesse sentido implicar-se com o bem-viver das pessoas com deficiências nos seus territórios de vida é implicar-se com a transformação desses territórios a fim de que sejam mais permeáveis à diversidade. Diversos estudos revelam que os serviços de atenção básica ainda são muito pouco acessíveis e pouco sensibilizados à especificidades dessa população, prevalecendo ainda uma certa invisibilidade e respostas assistenciais que pouco promovem o bem viver dessas pessoas e suas famílias.