Associação da Rede Unida, Encontro Sul 2019
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2019-07-22
Resumo
A linguagem, compreendida como a língua em uso, produz sentidos o tempo todo cujos significados variam conforme os envolvidos na ação comunicativa. Vários fatores interferem na apreensão desses significados que passam, por exemplo, por características como a quantidade e a qualidade das informações disponíveis pelo receptor; o conhecimento enciclopédico e as experiências vividas; a ideologia e a concepção de mundo. No entanto, o efeito de sentido de um discurso independe da vontade de quem ouve e também dos desejos de quem fala, já que o discurso está além do texto formal, vinculando-se – em sua exterioridade – ao social, à história e à ideologia. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é apresentar os efeitos de sentido do discurso em reportagens do Jornal Nacional, em uma série especial sobre o câncer de mama. Compõem o corpus, cinco reportagens especiais veiculadas pelo telejornal entre os dias 04 e 08 de julho de 2011. O tema justifica-se porque o câncer de mama é a neoplasia mais comum entre as mulheres no Brasil e o tipo que mais mata mulheres em todo o mundo. O Jornal Nacional foi escolhido por se tratar do telejornal mais antigo do país e o que apresenta a maior audiência entre os produtos do gênero em nível nacional. Como teoria, este trabalho filia-se à análise de discurso (AD) de orientação francesa, tendo como referência Michel Pêcheux. Os efeitos de sentidos interpretados pelo autor deste trabalho são associados a dois elementos fundamentais para a AD: a história e a ideologia. Como principais resultados, este trabalho apresenta como efeitos de sentido da série de reportagens do Jornal Nacional sobre o câncer de mama, i) o estigma do SUS responsável pelas mazelas da saúde pública, independentemente dos investimentos realizados no setor ii) o silenciamento do sistema público de saúde quando se trata de ações positivas e iii) a exultação da ação de voluntários como meio de democratização do acesso aos serviços de saúde. Os efeitos de sentido são contextualizados: i) historicamente, no qual o poder público é desqualificado para ofertar serviços de qualidade e os voluntários são elevados à condição de benfeitores; ii) ideologicamente, há uma legitimação do poder do voluntariado sobrepujando-o ao papel do estado. Assim, esses efeitos de sentido são incutidos e naturalizados pelo espectador médio que não reflete (muito menos criticamente) sobre a informação que consome. Os significados produzidos pelo efeito de sentido do discurso da série de reportagem do Jornal Nacional alimentam o discurso do espectador em um ciclo cujos sentidos tornam-se coletivos, com o estigma do SUS e o prestígio do voluntariado.