Associação da Rede Unida, Encontro Sul 2019
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2019-08-01
Resumo
Apresentação: Partindo de algumas leituras de Michel Foucault acerca da biopolítica e governamentalidade este estudo problematiza a concepção e as práticas profissionais na Estratégia Saúde da Família (ESF). Seria a ESF o resultado de avanços no campo do conhecimento e das práticas em saúde ou uma remodelagem de um projeto que tem como matriz antigas configurações de poder? Descrição da experiência: As discussões emergiram da disciplina “Micropolítica e biopolítica na configuração dos modelos tecnoassistenciais” do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade de São Paulo, que ocorreu no primeiro semestre de 2019. Impactos: Nos apoiamos em alguns estudos foucaultianos para compreendermos que a história é marcada por descontinuidades e rupturas, sem quaisquer garantias de que resulte em progressos. Buscamos dar algumas visibilidades para pensar a ESF, que entra em cena no Brasil como um dispositivo de reorientação do modelo de atenção à saúde. Com intuito de fortalecer as ideias de Foucault, brevemente expomos os conceitos de biopolítica e governamentalidade. A biopolítica pode ser compreendida como uma prática de governo sobre o conjunto de seres viventes enquanto população. Para Foucault, este dispositivo inaugura a população como um problema que engloba aspectos políticos, científicos, biológicos e de poder. Alicerçado na ideia de regularidade, a biopolítica também vê a família como modelo do bom governo e é neste ponto que a destacamos como um dos objetos de intervenção estratégica para o exercício de poder. Foucault denomina a arte de governar por governamentalidade, que pode ser inscrita como o esforço de produzir sujeitos governáveis por meio de técnicas normativas, disciplinares, de moldagens de conduta e comportamentos. Também destacamos a ESF como dispositivo de vigilância e controle justamente por sua característica de adentrar territórios existenciais das famílias, das casas e dos modos de vida, o que aumenta a capacidade de governo por meio de visitas domiciliares, buscas ativas e ainda, a periodicidade mensal de monitoramento das famílias circunscritas nestes territórios. Portanto, elencamos que além dos arranjos dos dispositivos de poder, a ESF também é produzida por linhas de força objetivantes, assim como por práticas mais propensas às relações simétricas e não governamentalizadas, mas denotamos que por serem mais fortes, as linhas objetificantes, neste jogo de disputas, têm tido mais visibilidade. Essa força objetificante faz com que a ESF seja configurada pela biopolítica, cujas práticas produzem o assujeitamento das famílias, indivíduos e comunidades a valores “estranhos” aos modos de condução de suas vidas. Um exemplo importante são as ações de promoção à saúde, fortemente associadas a ideia de qualidade de vida. Essa noção contempla: limites controláveis, indivíduos disciplinados e sujeitados. Essa lógica emplacada chamamos de “combo da qualidade de vida”: alimentação saudável, mudanças de hábitos e eliminação de contato aos fatores de risco. Porém, perguntamos: seria uma remodelagem higienista e normalizadora que chamamos “bem estar”? E ainda: a ESF então seria um instrumento regido pela racionalidade biopolítica? Considerações finais: Com estes elementos em cena, observamos que antigas relações de poder perpetuam na ESF, mantendo um jogo de objetivação versus subjetivação, individualização versus totalização que se apresentam com novas roupagens.