Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O processo de formação em Educação Popular em Saúde: Construindo saberes e prática de cuidado
Rosiane Pinheiro Rodrigues, José Guilherme Wady Santos

Última alteração: 2017-12-20

Resumo


Trata-se de um relato de experiência vivenciada por uma das turmas da primeira edição do EDPOPSUS, no estado do Pará, formaçãoofertada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Osvaldo Cruz/Fiocruz e Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa/MS no período de maio a setembro de 2017, em Belém-PA. Em sua maioria, a turma era integrada por Agentes Comunitários de Saúdee Agentes Comunitários de Endemias, com cerca de metade dela residente nos dois maiores municípios da Região Metropolitana (Belém e Ananindeua) e a outra,em municípios da região do Marajó. Parte da turma tinha envolvimento em movimentos sociais, sindicais e na história do território, e um pequeno contingente com recente participação na construção histórica da sua comunidade e do SUS. O objetivo é apresentar a experiência da turma durante o processo formativo, suas práticas, vivências e transformações a partir da proposta do curso. No momento inicial do curso, asconcepções e práticas de educação apresentadas foram de um grupo arraigado por uma educação bancária e que não percebia que o foco da formação seriam eles próprios, com seus saberes, suas experiências, fundada em trocas, com a construção de conhecimentos facilitada pelos educadores. Apesar dessa constatação inicial, a diversidade de locais de origem e inserção dos mesmos fez o grupo se constituir como um coletivo de ajuda mútua, com seus saberes, vivências, companheirismo e solidariedade.As atividades de campo foram desenvolvidas com as comunidades adstritas das ESF de Belém e Ananindeua, em maior escala, mas também, com participações nas comunidades adstritas das ESF do Marajó. O trabalho desenvolvido mostrou uma riqueza e uma enorme diversidade de culturas e realidades do nosso estado. Os educandos utilizavam vídeos produzidos por eles mesmos, explanações orais, apresentação de cartazes e dramatizações. Faziam uso de relatos em poesia, entrevistas com moradores e representantes da comunidade. A educação popular contribuiu para novas práticas de cuidado, pois houve, acima de tudo, o respeito por práticas antes desconsideradas e que se se tornarammais fortalecidas pela turma, tais como os ritos umbandistas, anteriormente marginalizados e, depois, potencializados através do conhecimento e vivências dos rituais de cura trazidos para a roda. A fitoterapia, a energização pelas mãos, a arte de rua, o cuidado corporal também foram potencializados como práticas de cuidado. E sempre o UBUMTU (filosofia africana de união e solidariedade) ficou marcado por essa “grande família EDPOPSUS” (como a turma sempre se intitulava). Outro momento significativo de autonomia e de cuidado foi o desenvolvimento da Prática Integrativa, mais precisamente um ritual de nossos ancestrais: trabalhando o corpo e a alma a partir da lógica do cuidado primeiramente com o nosso corpo para depois trabalharmos o cuidado do outro. No primeiro momento em roda realizamos alongamentos diversos, num segundo momento o caminhar de diversas formas, depois uma forma de regressão à infância a partir das lembranças em cores, a respiração como movimento de vida e, para finalizar, a composição de pares para o olho no olho. E algo inesquecível: o túnel de energias emanadas das mãos dos educandos e educadores em cada parte do corpo de cada um. Partindo de todas as percepções e impressões vivenciadas abrimos para a discussão de como se sentiram, como visualizavam aquela prática do túnel na sua vida e como prática de saúde. Foi para mim educadora e para muitos educandos, inéditas as sensações permitidas e vividas no túnel do cuidado. Sensações de paz, harmonia, leveza, algo interior e infinito (que muitos não conseguiram representar, mas que por vezes vieram desabafos, antes nunca "ditos", choros de alegria e tristezas, por trazerem à tona sentimentos tolhidos e guardados. O que nos levou a discussão das Práticas Integrativas, hoje parcialmentereconhecidas pelo Ministério da Saúde. Ao final da formação foi realizada uma grande mostra, na qual foram reveladasricas experiências fundadas na diversidade. Dentre tais experiências, destacamos aapresentação do Cordel “As veredas da educação popular”; “A poesia de gratidão”; “O grito do Marajó”;“Os livros artesanais” (com todos os relatos de campo);os artesanatos construídos nas oficinas do cuidado e o Mural de fotos dos encontros. Tudo isso revelou a construção coletiva realizada pela educação popular em saúde. A amorosidade e solidariedade, ao longo da formação, a emancipação/empoderamento/equidade desse povo, os saberes e vivências trocados e percebidos a partir de cada história, bem como o fortalecimento do coletivo, alicerçado e construído a partir da convivência e dos princípios da educação popular.Esta, despertou e fortaleceu a importância da participação para a luta dos direitos, já que foram muitas as vivências trocadas e debatidas, através da apresentação de estratégias e experiências exitosas em diversos territórios. Um exemplo disso foi a experiência de um educando de um bairro de periferia de Belém, que através da cultura (Boi Marronzinho),e outras ações,leva a população para longe da marginalidade, busca resgatar a saúde das pessoas através da arte, pautando a emancipação através da participação popular. Houve outras experiências como o “O grito do Marajó” –representando a busca árdua do povo local por um olhar equânime, que considere seus rios, suas distâncias, vulnerabilidades, iniqüidades, postas no papel, mas que não são, de fato, implementadas pelos gestores.Sobre a dimensão cultural, a investigação sobre expressões e manifestações culturais gerou transformações para o trabalho dos educandos, pois foram resgatados aspectos da umbanda; tradições de cura (túnel do cuidado e da cura) dos nossos ancestrais e danças circulares, as quais foram muito potentes e que serviram para promover o cuidado com o próprio coletivo, à medida que cada um tinha a necessidade ou que a turma reconhecia como necessidade de cuidado.Sobre a dimensão histórica, foram percebidas diferenças nas narrativas dos diversos fatos e acontecimentos, e o(re)conhecimento das memórias produziu mudanças pessoais e profissionais nos educandos. Isso foi reconhecido nas cartas de expectativas e de finalização da formação, pois eram relatos de transformação, emancipação e libertação. Histórias de infância nunca antes contadas, vivências de sofrimento e violências dialogadas no coletivo, palco para uma libertação conjunta. Ajuda e solidariedade eram palavras de força e superação a cada encontro. A história das lutas dos territórios pelos seus direitos levava os integrantes a serem fortalecidos pela mesma necessidade de buscar um horizonte melhor para todos. Ao longo da formação EDPOPSUS foram observadas mudanças nas concepções e práticas dos educandos, pois os educandos passassem a articular e organizar a comunidade em prol da libertação e transformação da realidade, com base na concepção de que educação popular é parte dos movimentos do povo, de suas realidade e que é capaz de emancipar os grupos mais vulneráveis. Foi possível observar mudanças na vida e no processo de trabalho dos educandos, e nas relações com os outros trabalhadores, através da apresentação dos trabalhos de campo, numa construção sistemática do conhecimento, de empoderamento, de reflexões críticas, antes não apontadas e debatidas e, principalmente, na problematização da realidade que vivenciaram no território e do reconhecimento das práticas integrativas e complementares.

 

 


Palavras-chave


Palavras-Chave: Educação Popular em Saúde; Agentes Comunitários de Saúde; Agentes de Endemias