Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ENCONTROS COM A LOUCURA: GRUPO DE ESTUDOS DO CAPS UNINDO PROFISSIONAIS E POPULAÇÃO
Fernanda Vicenzi Pavan, Margot Friedmann Zetzsche, Jorge Schlichting Neto, Isabella Goulart Bittencourt, Andreia Jeanine Garcia Oss-Emer

Última alteração: 2018-03-26

Resumo


A Educação Permanente, como uma das premissas do Sistema Único de Saúde (SUS) – motivou o processo de encontro, que já acontece no CAPS de Timbó-SC há mais de 5 anos. A ideia surgiu entre os profissionais como um desejo de refletir sobre os processos de trabalho vivenciados e suas perplexidades. O contato diário com a loucura poderia constituir-se em aprendizado? Como a gravidade das situações vividas poderia ser traduzida em cuidados e prevenção para as equipes de saúde e para a própria saúde mental dos membros das equipes? Como é a concepção de saúde e de saúde mental? Pode-se perceber, a partir da história, que a maneira de entender o processo saúde-doença determina as ações para resolução dos problemas em saúde. Durante as duas últimas décadas, o cenário de saúde mudou profundamente. As principais causas de morte e invalidez são as doenças não transmissíveis em adultos. O trabalho com a condição crônica e severa de saúde mental constitui um sinalizador que proporciona um rico campo de estudos e compartilhamento de saberes entre as equipes de saúde e a rede de atenção psicossocial. A insanidade ou loucura rompe com este limiar e provoca um desconforto que vai para além da clínica e de suas possibilidades. A perplexidade do profissional ante o rompimento da barreira “daquilo que todos tentam calar” e que para o louco se constitui em manifestação de defesa absolutamente necessária. Como “dar conta” de processos saúde-doença tão complexos? O cuidado de pessoas com doenças crônicas deve ocorrer de maneira integral. As práticas que utilizam propostas de cuidado formatadas anteriormente não têm obtido sucesso por não conseguir chegar ao singular de cada indivíduo. E o que seria mais inacabado que o preparo do profissional de saúde para dar conta de um arcabouço tão complexo de situações que se apresentam no atendimento diário das equipes de uma rede municipal de saúde? As situações apresentadas são tão variadas e complexas que não há uma semana em que não se apresente uma situação absolutamente inusitada, mesmo para os profissionais mais experientes. O Artigo 196 da Constituição Federal de 1988, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS), garante a saúde como um direito de todos e dever do estado. O artigo 200, inciso III, confere ao sistema público o ordenamento da formação de recursos humanos na área da saúde. A educação é um importante componente estratégico da gestão do SUS, já que provoca reais transformações no estilo de vida dos usuários e interfere na formação dos profissionais de saúde, a partir das situações vivenciadas no cotidiano de trabalho. Neste contexto, surge a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, instituída pela portaria 198/GM, em 13 de fevereiro de 2004, orientando a criação de colegiados e núcleos para discussão da formação dos profissionais da saúde, sempre dentro da lógica do ensino-serviço e no cotidiano do Sistema Único de Saúde. Além disso, a Política Nacional de Humanização, em suas diretrizes de ação, dá atenção à criação de espaços de aprendizagem nos serviços, reiterando a inseparabilidade entre atenção e gestão. Buscando a integração destas duas políticas criaram-se, no Médio Vale do Itajaí, os Núcleos de Educação Permanente em Saúde e Humanização (NEPSHU). O município de Timbó (SC) conta com um NEPSHU, implantado em 2014. Desde então, as ações de Educação Permanente são pensadas, planejadas e executadas como extensão da Comissão de Integração Ensino-Serviço. Considerando que a educação permanente é baseada nos problemas diários dos trabalhadores e nas experiências e conhecimentos prévios destes, foi desenvolvido o grupo de estudos no Centro de Atenção Psicossocial Microrregional (CAPS I) localizado em Timbó (SC), o qual se mostra uma estratégia relevante para a prática profissional, pois contribui para a construção de novos sentidos e significados a respeito de vivências e situações cotidianas do trabalho, o que pode gerar caminhos diferentes para transformação e atuação profissional e não apenas para a reprodução acrítica de ações diante das realidades que se apresentam, conforme apontam os autores citados anteriormente. O trabalho em saúde é, antes de tudo, um encontro entre aquele que demanda por atenção/cuidado em saúde e aquele que possui o saber técnico (o profissional de saúde). Esse encontro é permeado por história de vida, valores, sentimentos, de ambos os lados. Os grupos de estudo do CAPS propiciam um terreno para praticar tais atitudes. São espaços preciosos de troca e interlocução – sobre o adoecimento em si, e sobre o imponderável que afeta o profissional de saúde (e ser humano) no exercício diário de sua prática profissional. Este grupo pode ser considerado aberto e operativo, ou seja, centrado em uma tarefa que, neste caso, é a de ensino-aprendizagem. As estratégias grupais podem auxiliar na resolução de alguns conflitos e na superação dos problemas, pois em cada encontro – único e peculiar –a interação entre os membros do grupo possibilita a percepção diferente do contexto em que cada sujeito está. Observamos no grupo pessoas que vêm em busca de suas próprias questões e também para compartilhar sua perplexidade perante esse enfrentamento. A participação de diversos atores, como enfermeiros, agentes comunitários de saúde, dentistas da ESF, técnico em informática, acadêmicos de cursos técnicos e universitários deixam os encontros ainda melhores, criando um espaço criativo e reflexivo. Os encontros do grupo de estudos do CAPS acontecem mensalmente, na última sexta-feira do mês, desde o ano de 2010, e têm aproximadamente duas horas de duração. Ocorrem, preferencialmente, nas dependências do CAPS, mas, quando solicitado ou necessário, os encontros podem ocorrer em outros locais, como unidades de saúde. Geralmente, participam, em média, oito profissionais de diversas áreas, como médicos, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos e assistentes sociais, estando presentes também técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde, conselheiros tutelares, usuários do SUS e estudantes de diferentes cursos de graduação. Os temas abordados são levantados em cada encontro e as discussões são disparadas a partir de textos, artigos, filmes, sugeridos pelos participantes. Até o momento vários assuntos foram discutidos, como: depressão, suicídio, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, saúde mental dos profissionais da saúde,esquizofrenia, uso de álcool e outras drogas, esquizofrenia, entre outros. Os encontros são realizados em roda para que cada participante se sinta acolhido e ouvido pelos demais. Neste relato de experiência, pretendeu-se demonstrar o quão valioso é o espaço do grupo de estudos do CAPS do município de Timbó (SC), possibilitando a discussão pelo quadrilátero (profissionais, usuários, ensino e gestão) na realidade do trabalho, criando novas possibilidades de atenção e cuidado. As vivências geradas pelos encontros do grupo de estudos fortalecem o compromisso com a saúde dos usuários. Ali, as pessoas investem seu tempo em dialogar, repensar sua prática e, por isso, encontram formas diferentes e criativas de atender às necessidades das pessoas. Acredita-se que este grupo de estudos tem um grande poder de replicabilidade e continuidade, visto que não são necessários recursos financeiros para que ele ocorra; bastam pessoas envolvidas e comprometidas com as questões de saúde mental. Assim, o grupo de estudos propicia o acolhimento de demandas e dúvidas e o compartilhamento de experiências, vivências, sentimentos e conhecimentos, o que pode contribuir para a saúde do trabalhador, sua motivação em relação ao trabalho e, consequentemente, para um melhor e mais qualificado tratamento do usuário dos serviços do SUS.

 

 


Palavras-chave


educação; encontros; trabalho.