Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O uso de medicação psicotrópica no Pólo Oriximiná: delineamento do perfil dos usuários indígenas e possíveis reflexões.
Marcela Acioli, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira

Última alteração: 2018-01-21

Resumo


Este trabalho pretende traçar um perfil dos usuários indígenas que fazem uso de medicação psicotrópica e que são acompanhados pelo Programa Bem Viver (PBV), que é responsável pelas ações e serviços de atenção psicossocial no Pólo Base de Oriximiná, pertencente a área de abrangência do Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá Tocantins (DSEI GUATOC). Desde 2010, a gestão da atenção à saúde dos povos indígenas é realizada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), vinculada ao Ministério da Saúde. No que refere-se a saúde mental em contexto indígena, é a partir da Portaria nº 2.759/07, que estabeleceu as diretrizes gerais para a Política de Atenção Integral à Saúde Mental das Populações Indígenas, que as ações da psicologia nesse contexto ganham destaque. No período de 2012 a 2016, tive o privilégio de trabalhar no DSEI GUATOC, como parte da equipe da Divisão de Atenção à Saúde Indígena (DIASI), desenvolvendo ações de controle social, gestão e planejamento das ações de saúde, e pude me participar das atividades do Programa Bem Viver, acompanhando de perto as ações e demandas denominadas da área de “saúde mental”, como uso abusivo de álcool e outras drogas, alguns tipos de violência, casos de suicídio, e uso de medicação psicotrópica. A partir dessas atravessamentos, tive a oportunidade de acompanhar os aspectos da micropolítica que perpassam as ações governamentais e não governamentais que são direcionadas a essas populações, bem como pude constatar que estudar o tema de saúde mental em contexto indígena é tarefa desafiadora e complexa.  Essa vivência me levou a problematizar as interfaces da atuação psi em áreas indígenas, me chamando atenção o número de indígenas que utilizam medicação (controlada ou não) como principal terapêutica, situação essa que me fez iniciar essa pesquisa e o debate sobre o modelo de atenção e cuidado que estamos oferecendo a essas populações. O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de abordagem quantitativa e qualitativa de caráter exploratório realizados através de levantamento bibliográfico e pesquisa documental. Para o levantamento bibliográfico foram realizadas buscas nas plataformas virtuais e que tem respaldado no meio acadêmico, são elas: Scielo, Biblioteca Virtual de Saúde, Google Acadêmico, ARCA. Também foram feitas buscas de informações gerais sobre Saúde Indígena, Legislação, e demais produções dessa temática em sites especializados da SESAI, ISA, FUNAI, IBGE, CRP-SP, CIMI, e rede de pesquisadores da referida temática. Para realização das buscas virtuais, foram selecionados os descritores de acordo com o tema da pesquisa no Descritores de Saúde (DECS). Foram selecionados os descritores: Saúde Mental, Indígenas, População Indígena, Saúde Indígena, Saúde da População Indígena, Psicotrópicos, Psicofármacos, e Psicoativos, totalizando 12 combinações, onde ao fim foram selecionados 09 trabalhos (entre capítulos de livro, artigos, monografias e dissertações). Após pesquisa bibliográfica sobre o tema, foram analisados diversos documentos referentes ao Programa Bem Viver do Dsei Guatoc no ano de 2015, dando ênfase aos dados de medicação psicotrópica referentes a “Planilha de vigilância do uso de medicação psicotrópica” do Pólo Oriximiná. Para melhor compreensão sobre as populações das quais essa pesquisa trata, faz-se necessário uma breve contextualização de cenário de pesquisa. O Pólo Base Oriximiná, gerencia as ações de atenção básica através de 04 equipes de saúde para atendimento de 2.174 indígenas, de 09 etnias, distribuídas em 18 aldeias em 03 terras Indígenas. No que concerne ás questões éticas, foi elaborado um pedido de autorização de análise documental ao Coordenador do DSEI GUATOC. Os resultados encontrados sobre esses usuários indígenas foram divididos em (a) dados sócio-demográficas referentes a faixa etária, sexo, situação conjugal, etnia, aldeia e (b) dados clínicos referentes as hipótese diagnóstica/diagnóstico (CID 10), informações sobre os medicamentos (tipo de medicação, posologia, tempo de uso) que são utilizados pelo paciente, dados dos profissionais da rede SUS e SASISUS que acompanham usuário,  cuidadores indígenas e situação atual do caso. Dentre os achados, quanto as dados sóciodemograficos, os usuários indígenas de medicação psicotrópica no polo Oriximiná, temos uma maior prevalência de mulheres (68%), indígenas casados(as) (60%), na faixa etária de faixa etária entre 22 a 59 (58%) e da etnia Wai Wai (98%) e que residem na aldeia Mapuera (n=33). Quanto aos dados clínicos, sobre os dados referentes a situação atual do caso, 81% informaram estar realizando tratamento, e apenas 19% interromperam o uso de psicofármacos por conta própria, motivada por questões financeiras e/ou pelos efeitos adversos durante uso da medicação. Quanto ao tempo de uso desse tipo de medicação varia de menos de um ano a mais de 10 anos. A maior prevalência está entre os usuários que estão fazendo uso entre 1 a 2 anos (40%), se somarmos os que fazem uso de medicação psicotrópica há mais de 1 ano teremos mais de 84% os usuários. Nas hipóteses diagnósticas, os resultados mais prevalentes foram as doenças do sistema nervoso, representando 58% dos usuários, logo em seguida temos os transtornos comportamentais e suas associações, totalizando 31,5% da população estudada. No que tange a atenção a saúde mental dos 31,5% usuários indígenas, apenas um indígena teve acesso a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Sobre cuidador indígena, 100% dos indígenas informaram que não realizam esse tipo de acompanhamento. Quanto ás principais classes de medicação psicotrópica prescritas, 57% usuários utilizam antidepressivos, sendo a Amitriptilina (51%) a mais receitada, 53% dos usuários utilizam os estabilizadores do humor/anticonvulsivante, sendo a Carbamazepina e Fenobarbital os mais utilizados, com 15% de prescrição cada, 21% dos usuários fazem uso de benzodiazepínicos, sendo o Frisium (13%) a classe com maior prevalência, 17% dos usuários indígenas fazem uso de antipsicóticos, sendo 15% atípico e 2% sedativo, sendo a Risperidona (13%) o medicamento mais prescrito. Apesar dos avanços constitucionais e de modelos de atenção direcionados a saúde mental em contexto indígena, fica claro que ainda existe muito caminho a percorrer numa atenção que considere os aspectos étnico-culturais dessas populações. Dentre as limitações encontradas para pesquisa, o acesso aos dados sobre saúde indígena é difícil e ainda está em construção, visto que não há uma base de dados informatizada, e que seja nacionalmente integrada. É necessária a ampliação de pesquisas em saúde mental em contexto indígena no campo psi em parceria com outras ciências, numa parceria que dê conta de um objeto complexo que são as populações indígenas. Que sejam realizada continuidade deste estudo através de seguimento desta amostra, com acesso aos prontuários e entrevistas com profissionais de saúde que atendem esses usuários seja na rede SASISUS e SUS, esmiuçando categorias de gênero e faixa etária. Durante todo o percurso desse trabalho, não se pretendeu incentivar os indígenas a não usarem os psicofármacos, até porque como foi descrito, a alopatia na etnia Wai Wai foi fortemente atrelada a concepções de cura e divino durante processo de evangelização desses povos. Acreditamos na sua eficácia e na necessidade de alguns pacientes utilizá-los. As reflexões que poderão ser ocasionadas por este trabalho não pretendem se opor ao uso da medicação, sendo o nosso interesse em delinear o perfil dos usuários indígenas do Pólo Oriximiná, de forma ele possa ajudar no planejamento de ações de gestão, promoção e prevenção na atenção biopsicossocial desses povos. É de fundamental importância implementação de capacitações na educação permanente para saúde mental para todos atores envolvidos no processo com enfoque na integralidade.


Palavras-chave


Saúde Indígena; Saúde Mental; Psicotrópicos.