Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Produzindo resistências à medicalização da educação: uma pesquisa-intervenção em escolas públicas de Belém
Maria Lúcia Chaves Lima, Laura Norat de Lima, Dayane Alessandra da Silva Brandão

Última alteração: 2017-12-27

Resumo


A presente pesquisa tem como objetivo investigar de que forma o tema da medicalização da educação tem sido abordado e debatido dentro das escolas. A medicalização da educação pode ser entendida pela expansão da jurisdição médica para o âmbito dos processos educacionais. Trata-se do processo que transforma questões não-médicas, ou seja, aquelas de origem social e política, em questões médicas. Desse modo, inquietações, conflitos, tensões, perturbações que estudantes experimentam no cotidiano da sala de aula passam a ser interpretadas como doenças, sendo estas a causa do insucesso ou fracasso escolar do/a estudante. A dificuldade de aprendizagem se transforma em distúrbio de aprendizagem. Diante desse contexto, perguntamos: professores e professoras sabem o que é medicalização da educação? Quais olhares lançam para os/as estudantes considerados problemáticos? Usam as lentes medicalizantes para ler as dificuldades de aprendizagem? Ou ampliam o debate, implicando-se nos problemas encontrados? Para viabilizar tais questionamentos, realizamos uma pesquisa-intervenção para identificar como a comunidade educacional tem fomentado a temática da medicalização. A proposta inicial foi propor rodas de conversas sobre a temática em escolas da rede pública do município de Belém-PA. A cada visita às escolas, lançamos mão de alguns elementos para despertar o interesse e instigar o debate, tais como aula-teatro, documentários, debate de notícias, entre outras técnicas, sempre envolvendo o tema da medicalização da educação. Posteriormente, iniciávamos a roda de conversa com os/as participantes, geralmente professores/as, diretores/as e coordenadores/as pedagógicos/as, visando produzir um espaço de troca de saberes e experiências. É importante salientar que esta pesquisa não visou somente coletar as impressões dos/as professores/as e demais membros da comunidade escolar sobre medicalização, mas também, e principalmente, criar modos de resistências à medicalização da educação. A pesquisa-intervenção configura-se como uma forma de investigação participativa que busca na interferência coletiva a construção de espaços de problematização, visando potencializar um novo pensar/fazer pesquisa. A pesquisa-intervenção se torna relevante por ser um tipo de pesquisa que além de propor espaços de problematização, visa ser um ato político, pois fomenta, interfere, proporciona a reflexão do tema a ser investigado e auxilia na transformação do espaço. A partir das 10 rodas de conversas realizadas, sistematizamos os discursos produzidos em três categorias: 1) A falta de conhecimento sobre medicalização da educação; 2) O laudo médico/psiquiátrico como tábua de salvação; 3) A ausência de estrutura/investimento na formação continuada dos profissionais da educação. 1) A falta de conhecimento sobre medicalização da educação: Durante a pesquisa, um discurso (ou ausência dele) nos causou inquietude: a falta de conhecimento em relação ao fenômeno da medicalização da educação dentro das instituições educacionais. Não é de hoje que o fenômeno da medicalização, seja ele da vida ou da educação, cresce no decorrer dos anos. O Brasil já é o segundo maior consumidor mundial do metilfenidato, droga indicada para crianças diagnosticadas com algum distúrbio no aprendizado escolar. A falta de conhecimento destes profissionais pode ser interpretada por um viés alinhado ao ensino tradicional. A educação, aqui chamada por tradicional, faz com que os profissionais estejam apenas centrados em ministrar aulas, no repasse dos conteúdos. Percebe-se uma falta de comprometimento e/ou de tempo na buscar de informação necessárias sobre os novos temas que surgem dentro do contexto da educação. 2) O laudo médico/psiquiátrico como tábua de salvação: Em nossas inserções nas escolas, um tema recorrente é a presença ou não de um laudo médico que ateste o suposto transtorno de aprendizagem de estudantes considerados/as "problema". O laudo médico/psiquiátrico contribui para reforçar os supostos sintomas que os estudantes apresentam dentro do ambiente escolar, dando sustentação para justificar as queixas que são relacionadas ao “fracasso escolar” como fatores individuais e biologizantes. Outro fator que contribui para esta utilização do laudo médico/psiquiátrico ser utilizado como tábua de salvação reforça-se no não-saber dos educadores frente às situações que emergem na escola, além disso, estes profissionais, assim como boa parte da sociedade, tomam o discurso médico como única verdade dentro de um campo que é passível de múltiplas interpretações. 3) A ausência de estrutura/investimento na formação continuada dos profissionais da educação: Em nossas intervenções, era frequente falas sobre a falta de investimentos tanto nas estruturas das escolas quanto nos processos de formação continuada do profissional da educação, principalmente quando questionávamos se era fomentado o conceito de medicalização da educação dentro daquele ambiente escolar. Não somente as salas superlotadas, mas também os cortes na educação como redução de carga horária, falta de recursos materiais, carência de espaços adequados para determinadas atividades escolares, entre outras questões, acabam por cooperar para uma educação precária e cada vez mais defasada. Desse modo, não podemos culpabilizar tais profissionais pelo estado em que as instituições escolares se encontram ou pela ausência de conhecimento em relação à questão do fenômeno da medicalização da educação. Outros elementos apontados convergem para a ausência do Estado em disponibilizar uma formação adequada para trabalhar com os novos temas que surgem na educação. Diante deste fator, tornar-se preocupante essa ausência de investimento, uma vez que a formação continuada além de auxiliar os profissionais da educação a saber lidar com as novas demandas que surgem no contexto educacional, proporcionam novos olhares, interpretações e ações em decorrência aos novos métodos, temas e concepções que oriunda do ambiente educacional. Conclui-se que a falta de conhecimento favorece para que o fenômeno da medicalização ganhe cada vez mais espaço dentro da escola, visto que o/a professor/a quando não possui o conhecimento relacionado ao tema acaba por interpretar comportamentos como sintomas de patologias ou transtornos, acabando por culpabilizar aquele indivíduo que não tenha obtido o sucesso escolar nas atividades que lhe são propostas. Portanto, criar espaços de reflexão sobre a medicalização é criar resistência a este fenômeno. Um apelo a não se diagnosticar previamente um/a estudante e encaminhá-lo/a a um serviço de saúde sem antes entender o contexto do/a estudante, suas dificuldades, sem antes tentar todas os recursos educacionais disponíveis. Faz-se necessário, portanto, verificar o meio social que a criança ou adolescente está inserido, compreender que este influencia o seu comportamento dentro da sala de aula. Ao se considerar que há multiplicidades de formas de se viver e aprender, deve-se propor reflexões sobre as novas práticas de ensino e sustentar propostas de desmedicalizar a educação.


Palavras-chave


Medicalização; Pesquisa-intervenção; Resistência