Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Percepção de gestores sobre a organização do fluxo assistencial na rede de serviços de saúde
Josué Souza Gleriano, Maria José Gomes de Aguiar, Verônica Modolo Teixeira, Lucieli Dias Pedreschi Chaves

Última alteração: 2018-01-06

Resumo


A integração entre os níveis assistenciais e a melhor coordenação das condições crônicas tem sido evidenciada, na literatura, com melhor eficiência para países que possui uma forte organização da atenção primária à saúde (APS), dos serviços de saúde com a necessidade da densidade tecnológica e coordenação do cuidado com inovações que diminui a fragmentação do cuidado. Porém, o acesso aos serviços de média densidade tecnológica tem-se apresentado como um dos entraves para a consecução da integralidade assistencial no Sistema Único de Saúde (SUS). No caso brasileiro, frente a tripla carga de doenças, gestores municipais precisam desenvolver formas de organizar seus fluxos para atender, além do desenvolvimento de novas técnicas e equipamentos de diagnostico e terapia, demandas que somam a pressão de diversos grupos de interesses para a incorporação e disponibilidade nos serviços de saúde, sendo necessário a articulação de mecanismos políticos de regulação, na perspectiva de assegurar o acesso com equidade. Portanto, não basta ampliação da Estratégia Saúde da Família (ESF), ou seja, não é suficiente a transposição do lócus de trabalho do ambulatório para o domicílio ou do hospital para a ESF, quando os processos de trabalho permanecem inalterados, ou mesmo quando imprimem uma nova lógica de produção, mas o núcleo tecnológico conserva-se centrado no procedimento/doença e não no usuário. Essa tem sido uma das razões para a ESF permanecer como produtora de demandas e pouco resolutiva. Objetivou verificar como gestores da saúde, organizam o fluxo assistencial dos usuários quando há necessidade de compartilhamento de cuidados entre diferentes níveis de atenção à saúde. Trata-se de estudo de caso com abordagem qualitativa, realizado em um município na região sudoeste do estado de Mato Grosso, através de entrevistas semiestruturadas com sete profissionais da gestão municipal, secretário de saúde, coordenador da atenção básica, regulação, hospital, CTA/SAE, saúde bucal e CRAS, no segundo semestre de 2017. Levou-se em consideração o critério de saturação para definição do número de participantes. Optou-se pela análise de conteúdo temática, constituída pela ordenação e classificação dos dados, sistematizando-os em núcleos de sentido e leitura transversal, priorizando recortes temáticos mais relevantes relacionados ao objeto de estudo e, por fim, análise dos resultados por meio do entrecruzamento das informações das distintas fontes. Os resultados e discussão são apresentados nas categorias: A coordenação do cuidado: desafios na organização; e A rede de atenção e o fluxo assistencial: dispositivos informacionais. A pesquisa foi aprovada pelo CEP (1.385.829/2016 - UNEMAT). O município estudado é referencia estadual na expansão da APS através do Programa Mais Médicos (PMM), e a Estratégia Saúde da Família, a partir de 2015 no alcance de 100% de cobertura, é a porta de entrada preferencial para os usuários na rede local, sinalizada por todos os participantes como a ordenadora do cuidado. Na primeira categoria: A coordenação do cuidado: desafios na organização sinaliza nas falas dos gestores, que coexistir o acesso inicial por meio de outros estabelecimentos de saúde, expressão forte direcionada ao serviço da unidade de pronto atendimento que tem recebido alta demanda de procedimentos que poderiam ser resolvidos na ESF. A gestão de saúde municipal revela situações de redução da busca direta de serviços hospitalares, contudo, os gestores das áreas técnicas de coordenação admitiram que paralelamente à consolidação da unidade de saúde da família (USF) como lócus principal para os primeiros cuidados, convivia-se, ainda, com a busca direta pelos usuários da central de regulação e marcação de consultas, muitas vezes, sem prévia avaliação clínica dos profissionais das equipes de saúde da família. As coordenações da atenção básica e da regulação destacaram o trabalho do enfermeiro na gerência das USF, entretanto, reconhecem que o excesso de ações burocráticas, ausência de profissionais e, dupla responsabilidade na assistência e gerência resulta em sobrecarga de trabalho e dificuldades na execução de ações assistenciais. Nesse sentido, apontaram que a coordenação do cuidado não pode estar somente nas mãos dos médicos, enfatizando que há necessidade do fortalecimento do trabalho em equipe e esquemas de pagamento assim como de organização do trabalho que privilegiem não só as consultas, mas, por exemplo, o tempo entre elas para ações de coordenação. Gestores lembram que o ACS é um agenciador de encontros entre territórios existenciais, posto que enlaça saberes populares e conhecimentos técnicos em saúde com potencial para fortalecer os vínculos da população, porém sinalizaram que a baixa supervisão no trabalho do ACS e as três mudanças, em menos de dois anos, no processo de territorialização foi um empecilho para que esse profissional executasse suas funções. Na segunda categoria, A rede de atenção e o fluxo assistencial: dispositivos informacionais, o município utiliza para identificação dos usuários nos serviços, além do cartão SUS, os cartões da família, da gestante, do idoso, entre outros. Todavia, um dos entrevistados relatou a resistência de algumas pessoas aos serviços do SUS e a percepção de que não precisam do sistema público e, por isso, o cadastramento seria algo desnecessário, especialmente para aqueles que possuíam algum seguro privado de saúde, apontado pelos gestores que esse é um desafios à coordenação do cuidado, sobretudo pela desvalorização social do SUS, especialmente da APS. Quanto às alternativas de integração das informações clínicas, o município conta com prontuário eletrônico que possui articulação para referência e contrarreferência, com as quais, profissionais, apenas no nível local, podiam compartilhar informações, ainda que de maneira limitada. Em que pese a simplicidade dos dispositivos informacionais mencionados, estes são relevantes para a organização dos fluxos e contrafluxos de pessoas na rede local, porém a contrarreferência é um gargalo, pois muitos especialistas não forneciam a alimentação, dificultando a integração das informações entre diferentes pontos da rede assistencial. Percebeu-se nas entrevistas que há ainda o contato direto com o especialista por meio de telefone pessoal e, que caso o contato não fosse possível, aguardavam informações dos usuários trazidas pelo ACS ou agendavam uma visita domiciliar para conversar com o usuário. Esses relatos ampliam as evidências da dificuldade que as equipes da APS têm para dar continuidade ao cuidado e, sobretudo, garantir uma terapêutica compartilhada entre diferentes especialistas, o que apontou para existência de fluxos informais. Destaca-se na fala de todos os gestores um aspecto importante a ser enfrentado na solicitação de exames complementares, auferindo que muitos são “desnecessários e excessivos”. Tal questão, entre outras causas, acentuava-se pela inexistência de protocolos clínicos que dificulta a padronização técnica de critérios para a solicitação. Além disso, alguns apontam que os profissionais cedem aos "apelos" dos usuários, como forma de diminuir a pressão cotidiana que a comunidade exerce na prática médica. Foi possível verificar que há desafios no processo de coordenação do cuidado nas práticas assistenciais nesse município principalmente pelo modelo biomédico, e forte poder concentrador na medicalização e em exames, dificuldades na comunicação clínica entre os níveis de atenção, representadas pela ausência de recursos informacionais adequados sem uma rotina estabelecida no processo de trabalho.


Palavras-chave


acesso aos serviços de saúde; gestão em saúde; atenção à saúde