Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A perspectiva de Agentes Comunitários de Saúde dirigentes de entidades de classe sobre a política de formação profissional implementada no SUS junto a estes trabalhadores
Mariana Lima Nogueira

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


A presente pesquisa analisa a política de formação profissional para Agentes Comunitários de Saúde (ACS) implementada no Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da perspectiva de ACS dirigentes sindicais e de associações de trabalhadores desta categoria profissional. Esta pesquisa é parte integrante da tese de doutorado intitulada “O processo histórico da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (CONACS): trabalho, educação e consciência política coletiva” concluída, pela presente autora, em setembro de 2017, cujo referencial teórico e metodológico é o materialismo histórico dialético. Entre os anos de 2014 a 2017 foram realizadas 20 entrevistas, tendo participado dirigentes da CONACS, de sindicatos e associações da categoria profissional ACS de todas as regiões do país (estados: Tocantins, Pará, Alagoas, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina). Também se aplicou questionário junto a 90 ACS dirigentes de um total de 48 sindicatos e associações. O processo de formação profissional dos trabalhadores ACS foi realizado historicamente nos territórios onde atuam e nos próprios serviços de saúde, geralmente sob a supervisão do enfermeiro ou da equipe da Estratégia de saúde da família (ESF). Formação profissional inespecífica, que varia em função dos problemas locais com vistas à preparação para execução de atividades vinculadas aos objetivos das políticas de saúde. Esta característica incide na baixa remuneração e valorização social deste trabalhador e se contrapõe à pauta política de qualificação dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS). Considerando que o ACS é um dos poucos profissionais de saúde que ingressam no SUS sem uma formação profissional específica, na referida pesquisa se perguntou aos entrevistados sobre o que pensam a respeito da formação profissional do ACS e sua avaliação sobre a política de formação profissional implementada. Todos os dirigentes afirmam que a formação para o trabalho fundamenta-se, em geral, nas experiências do trabalho, na troca com os companheiros de categoria profissional e de equipe. Os entrevistados relataram que há poucos cursos de curta duração ofertados pela gestão municipal e pelo Ministério da Saúde (MS), que a formação profissional que recebem é insuficiente em relação ao conteúdo, frequência e por não conferir habilitação profissional específica. Os ACS vão se formando no trabalho na medida em que se vem já confrontados com os problemas e frequentemente não tem participação na escolha do conteúdo e da regularidade das formações continuadas que recebem. A regulamentação do trabalho dos ACS dispõe apenas sobre formação inicial e continuada, contribuindo para que permaneça prevalecendo a oferta de processos formativos aligeirados na forma de treinamentos em serviço. A formação inicial é ofertada pelas gestões municipais na forma do curso “introdutório”, geralmente curso com duração de 40 horas. Os ACS valorizam a experiência dos cursos de formação inicial, no entanto, este não tem sido ofertado para a totalidade de ACS, e quando o é, os temas tratados não contemplam as necessidades dos trabalhadores. A publicação do referencial curricular nacional do Curso Técnico de ACS (CTACS), no ano de 2004, pode ser considerada um avanço e um marco em relação a formação profissional dos ACS por representar uma tentativa de aliar formação profissionalizante à elevação de escolaridade, apesar dos limites por basear-se no perfil de competências e certa orientação no pragmatismo. O CTACS tem carga horária mínima prevista de 1.200 horas distribuídas em três etapas formativas. No referencial curricular cita-se a participação das Escolas Técnicas do SUS (ETSUS) no processo de oferta do curso, e que, portanto, seria um curso gratuito, provido por instituições públicas e para os ACS. No entanto, não houve pactuação do financiamento do CTACS completo na Comissão intergestora Tripartite. O Ministério da Saúde (MS) se responsabilizou com o financiamento somente da etapa I, enquanto que as etapas II e III dependem das gestões municipais e estaduais. Assim, a realidade nacional é de grande atraso em relação à efetivação do curso completo, pois as secretarias de saúde, em sua grande maioria, não vêm ofertando as três etapas. Do ano de 2004 até 2016 somente os estados de Tocantins, Acre, alguns municípios maranhenses e as cidades do Recife, Manaus, Rio de Janeiro e Gravataí concluíram turmas do CTACS. O fato de a formação técnica não ser realizada na maior parte do país expressa que a formação profissional destes trabalhadores é atravessada por disputas e as principais forças políticas identificadas neste processo são o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde e o MS. A insuficiência da formação profissional vivenciada pelos ACS é reafirmada nos questionários, destes, 60% considera que a formação que recebe não é suficiente para realizar o seu trabalho e 37,8%, considera que é suficiente. Dentre os que consideram que a formação que receberam é suficiente 97,1% está cursando ou concluiu o CTACS na ETSUS local. Ao perguntar sobre qual deveria ser a formação prioritária para o ACS 89% respondeu “CTACS completo modalidade de ensino presencial”. Nos relatos dos entrevistados, também identifica-se a importância da formação técnica para fundamentação de suas práticas realizadas no território, reconhecimento e maior autonomia profissional. A complexidade do trabalho do ACS e necessidade da formação para ampliar a compreensão dos trabalhadores acerca das bases que formam o trabalho do ACS, mas também para facilitar o acesso a conhecimentos sobre a política de saúde, onde se institui o trabalho, foram alguns aspectos apontados. A importância da formação técnica é mencionada também para ampliação do acesso a conhecimentos teóricos que facilitam o acolhimento das demandas apresentadas, a identificação de cuidados a serem prestados e para a fundamentação das orientações dadas pelos ACS às famílias acompanhadas. Outra aspecto se refere à relevância da formação profissional técnica dos ACS para a produção de auto-estima ou valorização dos trabalhadores que diversas vezes percebem a realidade de negação de direitos sociais e trabalhistas onde se inserem, assim como a precariedade das condições sociais na maioria dos territórios onde existe a ESF. Portanto, usufruir do direito à formação técnica também contribui para a construção da identidade profissional e sentimento de valorização. Foi enfatizado, por parte dos entrevistados que concluíram a formação técnica em ACS, que há uma ampliação da autonomia profissional dos ACS e que o curso os coloca em outro lugar na relação com os trabalhadores da equipe, em que “deixam de ser figurantes e passam a ser coadjuvantes”. Constata-se então que os ACS dirigentes de sindicatos e associações identificam a importância da formação técnica em ACS por entenderem que esta formação pode produzir junto aos trabalhadores maior compreensão sobre os fundamentos das práticas desenvolvidas, conhecimento sobre suas atribuições e direitos; articular-se com a construção de melhores PCCRs, e produzir efeitos na relação do ACS com a equipe. No entanto, é importante perguntar: em que medida estes relatos que enfatizam a necessidade da formação técnica são traduzidos em lutas e reivindicações coletivas dos trabalhadores ACS através dos sindicatos e associações de trabalhadores? Como a CONACS atua em relação à formação profissional dos ACS? E em que direção? Questões que respondemos na tese de doutorado que deu origem ao presente trabalho. A formação profissional técnica em ACS, assim, expressa a luta pelo direito à educação destes trabalhadores do SUS, e deve ser concebida como vinculada a luta pela desprecarização do vínculo empregatício, a possibilidade de disputa por planos de carreiras, melhorias salariais e elevação de escolaridade.

 


Palavras-chave


Agente Comunitário de Saúde; formação profissional; curso técnico de agente comunitário de saúde