Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-01-25
Resumo
Apresentação: As inúmeras disparidades brasileiras impõem desafios à superação das iniquidades e dificuldades de acesso aos serviços de saúde, revelando a complexidade no alcance de três princípios basilares do SUS: universalidade, integralidade e equidade. No intuito de garantir a integralidade de ações e serviços de saúde e ampliar o acesso às populações de territórios rurais ou de municípios distantes dos centros com maior oferta de serviços assistenciais, inúmeras pesquisas evidenciam a importância de sistemas regionalizados e integrados em rede. O câncer de colo do útero (CCU), por exemplo, está relacionado às iniquidades sociais, sendo incidente entre mulheres com maior dificuldade de acesso à exames da Atenção Primária à Saúde (APS) e/ou que não conseguem acompanhamento longitudinal em tempo oportuno, quando uma lesão precursora é detectada. Nesta perspectiva, em 2011, o Ministério da Saúde propõe o Plano de Ações Estratégicas para Enfrentamento das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis e elege a Linha de Cuidado como uma das estratégias de controle ao CCU, por conta das inúmeras mortes evitáveis ocasionadas pela desassistência. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) orienta um fluxo de referência e contrarreferência para controle do CCU: Programa Nacional de Qualidade de Citologia e de Qualificação de Ginecologistas; consulta com generalista para rastreamento (25 a 64 anos) e detecção precoce; consulta com especialista para investigação; exames para diagnóstico e tratamento em tempo oportuno e; cuidados paliativos. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi discutir o fluxo assistencial da Linha de Cuidado envolvendo o Controle de CCU em três municípios do interior da Bahia. Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um estudo qualitativo, realizado na região de Saúde de Vitória da Conquista, Bahia. Foram selecionados três municípios, atendendo aos seguintes critérios: 1) menor município da região de saúde com, aproximadamente, 5.000 habitantes (município A); 2) município em gestão estadual dos serviços com, aproximadamente, 49.000 habitantes (município B); 3) município em “comando único”/ gestão municipal dos serviços com, aproximadamente, 35.000 habitantes (município C); 4) 100% de cobertura da ESF. Realizaram-se grupos focais, em cada município, totalizando três grupos com Agentes Comunitários de Saúde – ACS (23) e três grupos com enfermeiros das Equipes de Saúde da Família (20), da zona urbana e rural. Resultados: Entre os três municípios estudados houve aproximações com o fluxo assistencial proposto pelo INCA para Linha de Cuidado ao Controle do CCU e, alguns entraves, especialmente relacionados aos serviços de média densidade tecnológica. A consulta com médico generalista é ofertada regularmente pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), mas o preventivo é realizado essencialmente pelos enfermeiros das equipes. Neste sentido, a liminar que tentou barrar a prática clínica do enfermeiro ocasionou interrupção da coleta de preventivos na maioria das equipes dos três municípios, apontando a vulnerabilidade das mulheres, principalmente as mais carentes, em contradição ao princípio da equidade. Nesses municípios, o ACS era um importante elo comunidade/equipe, para divulgação de informações quanto ao agendamento do exame preventivo na Unidade de Saúde da Família (USF), busca ativa das mulheres resistentes e faltosas às consultas e, aviso da marcação de consultas/exames para especialidades, além de entrega dos resultados às usuárias. Houve similaridade no acesso ao preventivo nos três municípios, mas a partir das consultas especializadas (média ou alta densidade), os cenários diferenciam-se. Enquanto que no município A, verificou-se um grande vazio assistencial de consulta com ginecologista, os municípios B e C oferecem o serviço de ginecologia em seus centros ambulatoriais. A diferença entre os dois municípios (B e C) ocorria na regulação, pois a marcação das consultas no município B era feita na própria USF, garantindo uma fila de espera entre 20 a 30 dias, enquanto que no município C era feita na central de marcação, cujo tempo de espera chegava a dois meses. Quanto aos exames de diagnóstico, a colposcopia não era oferecida no município A, em C era realizada no próprio município (uma ginecologista para consulta e exames) e em B, era feito na cidade-sede da região de saúde. Quanto à biópsia, apenas o município B tinha pactuação e esta era com o Hospital da Mulher (HM), em Salvador, ou seja, fora da região de saúde. Todos os profissionais relataram que uma vez diagnosticado o CCU, o acesso ao tratamento era resolutivo e, sem qualquer barreira organizacional. Nos municípios A e C, a referência era a Unidade de Assistência de Alta Complexidade (UNACON), na cidade-sede da região de saúde e, município B, o referenciamento era para o HM. Ressaltam-se algumas situações-chave: todas as equipes seguiam a semana típica, sendo que em algumas a coleta de preventivo era mensal e em outras, quinzenal; nas unidades de saúde, com médico ginecologista, os profissionais relataram maior resolubilidade dentro da APS e, consequentemente, menos encaminhamentos para rede especializada; no município B, havia demora na devolutiva do resultado do preventivo (pactuação com laboratório em Salvador – dois a quatro meses); e no município A existia um ginecologista que atendia como generalista em uma unidade de saúde e, como plantonista, no Centro de Saúde, favorecendo o referenciamento de mulheres do serviço especializado à APS; inexistência de contrarreferência da rede especializada (exceção do HM) e não participação da APS nos critérios utilizados pelas centrais de marcação/regulação. Considerações finais: Constatou-se ausência de monitoramento pelos programas de “Qualidade Citopatológica” e de “Qualificação dos Ginecologistas”, demonstrando ineficiência dos entes federal e estadual no apoio aos municípios no controle do CCU. Havia também fragilidade na definição do percurso assistencial e incertezas quanto ao tempo de resposta oportuna para acompanhamento de alteração em diagnóstico de lesão precursora, além da dificuldade de acesso a exames complementares. Apesar do presente estudo demonstrar que a dificuldade de acesso aos serviços especializados para controle do CCU ainda é uma realidade na região de saúde, a existência de marcação para as especialidades na própria unidade de saúde e a oferta de serviços especializados no mesmo município parecem ser uma alternativa às iniquidades de acesso. Por fim, o vazio assistencial acaba por incentivar o pagamento por desembolso direto, corroborando aumento da iniquidade social, ou uso de meios clientelistas para acesso a um direito fundamental, perpetuando a realidade assistencialista dos serviços públicos e negação de direitos sociais.