Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A Wikiversidade na formação do profissional em saúde: o que pode (a)prender o corpo num espaço virtual?
Vinícius Demarchi Silva Terra, Thatiane Lopes Valentim Di Paschoale Ostolin

Última alteração: 2018-01-22

Resumo


Conduzidos pela sistematização do trabalho docente desenvolvido ao longo de um semestre num Programa de Aperfeiçoamento Didático (PAD), discutiremos neste relato de experiência o uso da plataforma web Wikiversidade na formação profissional do bacharel em Educação Física inserido num Projeto Político Pedagógico com matriz interdisciplinar. Como o wiki é por definição "um conjunto de páginas interligadas e cada uma delas pode ser visitada e editada por qualquer pessoa", tal ferramenta didática foi implementada na disciplina de "Práticas Alternativas e Integrativas", com o objetivo de desenvolver: 1) a produção colaborativa de informação e conteúdo sobre as práticas corporais; 2) as conexões entre conteúdos das práticas com as demais disciplinas do curso; 3) escritas significativas da aprendizagem. Os 29 alunos matriculados tiveram a tarefa de se dividirem em 10 grupos equivalentes e organizarem relatos das aulas na Wikiversidade, utilizando-se de ferramentas web para publicar as 10 (dez) aulas teórico-práticas realizadas ao longo do 2o. semestre de 2016.

Tendo como pressuposto que o curso de Práticas Corporais é presencial e baseado na experiência, assumimos que ele seria intransponível para um ambiente virtual. Dado este pressuposto, nosso intuito foi provocar o uso do ambiente virtual como um modo possível de produzir memórias, colaborações e comunicações sobre o que está sendo aprendido, de modo a tensionar possibilidades que não caberiam no formato tradicional do papel ou documentos offline (word, powerpoint), com sérias limitações para expressar a aprendizagem sensível, cinestésica, corporal. Ou seja, nosso problema girou em torno da questão matriz: uma plataforma aberta como a Wikiversidade poderia ampliar a produção de sentido e significado do que está sendo apreendido? Ou ainda, com Deleuze e Espinosa: o que se pode (des)prender numa escrita coletiva? O que se pode (a)prender por este corpo virtual?

Para avaliar a experiência de ensino-aprendizagem, bem como o alcance dos objetivos, analisamos  as publicações dos alunos a partir de 3 categorias: a) Os modos de organização do trabalho na Wikiversidade; b) Os tipos de conteúdos privilegiados nas publicações; c) As conexões (hiperlinks) estabelecidas entre a disciplina, conteúdos web e as demais disciplinas. Portanto, refletimos sobre os possíveis impactos da Wikiversidade nos modos de trabalho, nos modos de escrita e os modos de produção de significado do que foi aprendido.

A análise dos resultados revelou que os alunos se engajaram em modos de trabalho colaborativo na Wikiversidade pelo uso de mais computadores do que o número de alunos envolvidos na tarefa, o que também sugere o uso computadores públicos, e refuta o argumento de estudos pré-internet com universitários, que associavam a dificuldade dos estudantes se engajarem em trabalhos em grupo pela falta de espaço compartilhado ou tempo disponível presencial. O processo de construção dos relatórios das aulas na Wiki fica evidente pela quantidade de postagens num número reduzido de dias, mostrando que há uma preferência pelo trabalho concentrado e sob pressão dos prazos, no entanto os grupos evitaram trabalhar diretamente na internet (talvez por questões de segurança ou falta de acesso online) e preferiram trabalhar offline, postando a redação final de cada um dos itens solicitados diretamente na Wikiversidade.

No que diz respeito aos conteúdos, ficou evidente a intimidade dos alunos com uso de celulares e sua adoção como ferramentas indispensáveis para o registro e elaboração dos relatos de aula, ainda que esta e outras tecnologias sofram ampla censura na universidade e na educação em geral por diversos fatores limitantes, como infraestrutura, suporte, pessoas, tempo e falta de conhecimento e domínio dos próprios professores. De fato, a produção de materiais audiovisuais teve grande destaque ao longo da disciplina, porém muitos estudantes demonstraram dificuldade para postagem deste tipo de conteúdo, daí a preferência pela fotografia. Ainda que gifs, animações e vídeos tenham aparecido como modos atualizados de dar movimento à imagem (e ao corpo), privilegiou-se o uso da imagem estática, complementada com a descrição dos movimentos corporais, algo que provocou uma escrita rigorosa com as descrições anatômicas, bem como referências aos estudos de biomecânica e cinesiologia. Diversas conexões e modos de dar sentido às práticas corporais estiveram igualmente associados às demais disciplinas práticas aplicadas, com destaque para Ginástica e Dança, disciplinas que tradicionalmente estão mais associadas ao público feminino, do que ao masculino, mais afetado pelos jogos, esportes e lutas no geral, as chamadas práticas coletivas de agon. De fato, outro aspecto comum a tais disciplinas de Ginástica e Dança é o tratamento do corpo na sua esfera individual. Neste sentido, aparecem também as ciências básicas que tradicionalmente tratam do indivíduo (psicologia, anatomia, cinesio, biomecânica) e menos referências são feitas às disciplinas que tratam de aspectos sociais, públicos ou comunitários, como o conjunto de disciplinas chamado Trabalho em Saúde, embora tenha sido enfatizado pelo docente. Neste sentido, a análise dos resultados provocaria um questionamento muito pertinente às pedagogias críticas: o de que a construção histórica de um conteúdo tem forte impacto sobre os modos de relacioná-lo, interpretá-lo e significá-lo.

Em relação às conexões e links estabelecidos, notou-se que a maior parte dos alunos contribuiu para ampliar os saberes práticos tratados em aula, o que condiz com os preceitos matriciais da internet enunciados por Castells (2003), tais como a cultura comunitária, a motivação para contribuições do internauta e a meritocracia dos desenvolvedores,  mas a busca dos links não foi predominantemente científica, como era de se esperar. Sites de organizações, instituições e escolas que tratam de temas como yoga, lian gong e meditação apareceram em primeiro lugar, e os artigos científicos foram tão citados quanto plataformas de vídeos (youtube, video), blogs e redes sociais.

Assim, retomamos a provocações iniciais: o que pode (des)prender numa escrita coletiva? O que se pode (a)prender por este corpo virtual? No que diz respeito ao uso da Wikiversidade, a fronteira epistemológica que separa o senso comum do conhecimento crítico  parece mais porosa e permite borrar fronteiras entre o que seria admitido como informação crível (escrita oficial, culta e legitimada pelo discurso científico) e o que seria uma informação sem credibilidade (a escrita "contaminada" de oralidade e demais fontes "impuras" de informação, como o audiovisual). Como sugerem Komesu e Tenani (2009), ao reconhecermos a heterogeneidade da escrita (e também da informação), podemos voltar nossa atenção ao processo de produção do enunciado, valorizando-o pela sua força discursiva, pelo seu contexto social e histórico, não somente pela estrutura da escrita, pelo produto final bem acabado. Cabe acrescentar que, por se tratar de um conteúdo predominantemente prático, isso pode implicar em uso diferenciado da ferramenta quando comparado a outros módulos ou disciplinas que abordam conteúdos mais abstratos e, consequentemente, mais teóricos. Resta saber se isso seria influenciado pelo novo modelo de percepção estabelecido por uma nova tecnologia (MCLUHAM, 1977) - a internet, pela predominância do conteúdo prático da aula, em sintonia com a re-oralização da internet (HILGERT, 2000), ou  pela própria metodologia das aulas do professor, que gerou um trânsito entre academia e comunidade ao propor visitas de campo e trocas com profissionais sem formação acadêmica. Por fim, cabe ressaltar que embora esta re-oralização da internet seja teoricamente provocada pelo desejo de interagir, a Wikiversidade se fez presente mais como uma ferramenta de informação, ou seja, de disponibilização de conteúdo de acesso rápido e fácil, do que uma facilitadora do processo de produção colaborativa.


Palavras-chave


Educação Superior; Metodologia de Ensino; Ambientes Virtuais de Aprendizagem; Educação Física; Práticas Corporais