Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Educação permanente para as redes intersetoriais: construção coletiva de saberes-ferramentas de cuidado, proteção e cooperação.
Márcio Mariath Belloc, Károl Veiga Cabral, Carla Denise Leão, Belchior Puziol Amaral, Michele Eichelberger

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


Trata de um trabalho desenvolvido em Porto Alegre no ano de 2017, no âmbito do Projeto Redes da Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Com a entrada do Projeto em território, várias questões já identificadas pelas gestões e pelos trabalhadores, bem como questões ainda latentes, acabaram por ser levantadas, colocadas em pauta. Eram basicamente aspectos do cuidado e da proteção das pessoas com problemas decorrentes do uso de drogas, em especial, mas não exclusivamente, das mulheres vítimas de violências e vulnerabilidades. Além das formas, por vezes diametralmente opostas, de lidar com esse tema no cotidiano dos dispositivos de atenção, assistência, proteção e educação, apresentava-se também o não reconhecimento dos próprios saberes já contidos no trabalho vivo desses atores. Desta forma, junto com os parceiros acima citados, estruturamos uma proposta de intervenção no âmbito da educação permanente para as redes intersetoriais. E sendo um processo de educação permanente, necessariamente devia partir das demandas dos territórios, da macro e micropolítica do cuidado e proteção, e ocupar espaços já estabelecidos, ocupar a agenda dos dispositivos, suas possibilidades de encontros e articulações.

Neste sentido, partimos das nossos encontros com os territórios e de um levantamento já feito entre os trabalhadores nos quais os temas mais demandados para formação eram a questão álcool e drogas, a redução de danos e o trabalho com saúde mental. O desafio começou por construir este processo sem atrapalhar o funcionamento dos dispositivos e tampouco interferir demasiadamente nos espaços intersetoriais autogebstionados já existentes – pensando que, por exemplo, a realidade já era de falta de trabalhadores no caso da assistência e de falta de serviços no caso da saúde, frente a uma demanda cada vez maior da população – e ao mesmo tempo poder operar desde o cotidiano de trabalho destes dispositivos. Cabe destacar que, com o cenário nacional e estadual em crise e a falta dos repasses sistemáticos, todas as redes, de todos os municípios, estavam afetadas.

Não obstante, outro desafio importante se interpunha, pois imersa na articulação das redes intersetoriais em acompanhamento das mulheres vítimas de violências e vulnerabilidades, a própria equipe local do Projeto Redes tanto vislumbravam a necessidade da educação permanente quanto se ressentia de tempo para colocá-la em ação junto às equipes de nossos territórios de atuação. Contudo, sabedores de que o principal motivo de alegação (que muitas vezes pode ser traduzido como desculpa) para na constituir espaços de educação permanente junto às equipes é a justamente a falta de tempo, não poderíamos deixar de reconduzir a estruturação de nossas ações, colocando a educação permanente já contida em planejamento estratégico, na estrutura de um projeto transversal, matriciador do próprio trabalho desenvolvido de articulação e acompanhamento das mulheres.

A proposta, então, se estruturou a partir das regiões de Porto Alegre nas quais já estávamos inseridos: Centro/Santa Cecília e Restinga/Extremo Sul. Conversando com os territórios e os espaços já constituídos de encontros intersetoriais, chegamos em uma proposta de realizar os encontros do Centro/Santa Cecília dentro das reuniões gerais de rede intersecretarias, que ocorrem mensalmente nas quartas-feiras pela manhã, utilizando a última hora para o trabalho para a educação permanente, além de uma terça por mês pela manhã, fechando assim o trabalho quinzenal. Na Restinga também utilizamos um encontro intersetorial já existente, de caráter mensal, construído já no âmbito da articulação social do Redes, acrescido de mais um encontro quinzenal às terás-feiras pela manhã.

A ferramenta da educação permanente nos parece extremamente potente para apoiar as equipes na manutenção de espaços de discussão e pactuação da condução de casos, especialmente mantendo uma sistemática de encontros que garantam a pluralidade de serviços envolvidos. Propusemos trabalhar com casos marcadores, conduzindo o debate para situações pertinentes ao cotidiano de trabalho, seus desafios diários de encontrar saídas e apoio tanto para os usuários que acompanham quanto para mutuamente se apoiarem frente à difícil tarefa de acompanhar a vida das pessoas. A ideia foi problematizar o vivido, questionar e tentar encontrar outras respostas e mesmo constituir novos problemas, novas formas de indagar o cotidiano, buscando desenvolver uma inteligência de escuta do vivido, produzindo atos de aprendizagem relativo às intervenções que produzimos diariamente nos atos de cuidado e de gestão.

Ainda sobre a essa especifica construção modelagem de processo de educação permanente, também a possibilitou o fortalecimento daqueles grupos como coletivos, que podem operar o cuidado de forma conjunta, apoiando-se tanto nas reflexões que possam produzir, quanto nas intervenções que possam realizar. Trabalhando em coletivos as diferentes equipes puderam constituir uma coesão necessária ao processo de cuidado, sendo capazes de se comunicar e agir conjuntamente, sem no entanto perderem suas singularidades. Conjuntamente é mais fácil de resistir ao modelo hegemônico vigente e aprender a cooperar, a negociar, podendo assim construir outras soluções, permitindo que se abram outros caminhos aos usuários, mantendo a potência de ousar, de criar. Trata-se do trabalho cooperativo como forma de vencer os obstáculos postos pelo tecido social no qual vivemos. A ação conjunta identificada e tomada como dispositivo no trabalho vivo das equipes, colocando o acento na experiência cotidiano flexível e pouco formal.

Evidentemente não é tarefa fácil cooperar frente às realidades de precarização dos dispositivos de cuidado e proteção, ainda mais em um contexto em que o discurso hegemônico tensiona para a superespecilização e sua tradução no cotidiano das equipes de fragmentação das ações. Aliado a este enorme desafio também há um modelo de sociedade na qual a competição é a norma, com um desenho urbano demasiado homogêneo e rígido, com pouco ou quase nenhum espaço para a experiência compartilhada.

Desta forma, um projeto como este de educação permanente, envolvendo temas que também tem muitas vezes uma resposta moral, estigmatizante e até mesmo iatrogênica, tem também as cores de um esforço para recuperar a capacidade de cooperar com pessoas diferentes de nós mesmos, de escutar de forma ética o discurso do outro sem cair na tentação do julgamento. Neste sentido, trata-se da cooperação como habilidade a ser desenvolvida, investida, como encontro, como apoio mútuo para chegar a um benefício comum, desenvolvendo a capacidade de respeitar as divergências e desigualdades presentes em todos os contextos sociais.

Neste trabalho pretendemos apresentar e discutir essa experiência, desde a dimensão dos tensionamentos que a fizeram possíveis, dos desafios e limites, mas também da produção de encontro e vida na criação de caminhos cooperativos.


Palavras-chave


educação permanente; intersetorialidade; cooperação