Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-01-03
Resumo
O presente trabalho decorre do desenvolvimento de uma pesquisa de iniciação científica realizada em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) municipal, na região noroeste do estado do Rio de Janeiro. Esta que pretende compreender o acesso das gestantes do território aos serviços de pré-natal, bem como a efetividade do serviço disponibilizado.
Portanto, o relato de experiência pretende abordar o evidenciado pelo aluno-pesquisador na realização dos primeiros passos de um trabalho de campo, e que acentua as observações pertinentes às análises do acesso e da participação social, compreendidos como dispositivos interdependentes, complementares e propulsores da integralidade do cuidado.
Justifica a realização deste relato os fatos elucidados nas visitas à UBS estudada, ficando notória a incipiência das gestantes adscritas ao território para a realização das consultas de Pré-natal. A opção deste público no deslocamento a outro dispositivo de saúde que não o genuinamente responsável por elas, o que corrobora na desconstrução do princípio da territorialidade, pode ter por consequência a redução do sentimento de pertença e o comprometimento do vínculo entre usuários e profissionais de saúde. Questões necessárias à boa conduta em saúde e que merece a análise das formas de minorar as causas e as consequências do evidenciado.
Podendo ter diferentes perspectivas de análise, a qualidade – aqui compreendida no sucesso dos serviços de pré-natal de uma UBS conforme os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) requer uma sólida aproximação com os anseios e as angústias dos beneficiados pelo serviço. No caso em tela: a gestante e seus próximos.
Assim, torna imperioso utilizar de mecanismos de aferição e de captação destas constatações, de modo a planejar ações combativas a possíveis fragilidades. Para tanto, parte-se do embasamento teórico de que ganhos em acesso, quando da disponibilidade do serviço, dialoga diretamente com o usuário informado sobre a necessidade das ações desenvolvidas na unidade de saúde e da efetiva participação dos mesmos, o que também tangencia a aceitabilidade deste no ingresso do serviço disponibilizado.
Entretanto, atenta-se que a aceitabilidade não se consolida de forma passiva dos sujeitos, mas sim por meio da participação social, atuando como efetivos atores no aperfeiçoamento dos processos de saúde e que resultam em mudanças significativas e positivas em saúde, que seja na dinâmica dos locais de saúde, quer seja na atuação dos profissionais que ali atuam.
A captação das evidências trazidas a seguir decorreu dos registros no diário de campo realizado pelo aluno-pesquisador. Os resultados mostrados adiante resultam da interação entre as observações na rotina da UBS, sobretudo na sala de espera durante a realização das consultas de Pré-natal, bem como por meio de conversas informais e da realização de entrevistas com profissionais de saúde. Vale ressaltar que o trabalho de pesquisa científica segue os trâmites bioéticos de uma pesquisa científica em saúde, obtendo o mesmo a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.
Na observação realizada em campo, chama atenção o insuficiente conhecimento dos direitos e os deveres do SUS, e que parece atingir demasiadamente os atores envolvidos na pesquisa. Cada qual a sua maneira e na sua intensidade, é o que se mostra a seguir alguns dos resultados:
- Os profissionais de saúde negligenciam um Pré-natal integral, capaz de envolver ações por todos os membros da equipe: de forma interdisciplinar e multiprofissional. Assim, ficam os usuários limitados às consultas médicas e da enfermagem, destituídos do acompanhamento da Saúde Bucal, por exemplo.
Uma Saúde Bucal precária não somente acomete danos biológicos à boca daquele que padece, mas também incide em prejuízos por todo o corpo, atuando no nível glicêmico, em distúrbios gastrointestinais e em danos ao sistema cardiovascular, dentre outros. Extrapolando os limites do corpo, os distúrbios podem ser sociais, afetivos, mentais e até mesmo de espectro econômico.
Ao período de gravidez, partos pré-maturos e de baixo peso são evidências científicas e específicas a este período de vida e diante da condição bucal insatisfatória, o que acentua a necessidade de atuar na redução de processos infecciosos na cavidade oral deste público.
- Também compete aos profissionais de saúde manter a população alvo sob o registro da unidade, chamando atenção para a dinâmica no estado de gravidez. Tal feito torna uma importante ferramenta para a realização da busca ativa das gestantes que não acessam a UBS para este fim. Esta ação exige comprometimento e organização dos membros da equipe de saúde, sobretudo dos Agentes Comunitários de Saúde.
- Outro achado no trabalho de campo atenta quanto à falta de momentos de educação em saúde com o público alvo em questão. Momentos primordiais para a resolução de dúvidas e para a aquisição de informações sobre os cuidados referentes a este ciclo de vida, e que tem por objetivo promover ganhos na autonomia e na responsabilização na saúde dos envolvidos.
- Por fim, observou-se a ausência de espaços promotores da participação e/ou do controle social. Pode-se utilizar, para tanto, de algumas estratégias, o que não ficou evidenciado a existência destas no trabalho de campo: (01) colocação de “caixinhas de sugestão”; (2) espaço reservado e sigiloso destinado ao acolhimento de queixas e ao oferecimento de opiniões; (3) momentos de pesquisa e de avaliação por parte dos usuários dos serviços disponíveis na UBS; e (4) realização de reuniões entre os diversos atores envolvidos, com a finalidade de debater formas de melhorar os bens e os serviços de saúde.
A deficiência no acompanhamento das gestantes no território em que residem prejudica as contribuições a respeito dos determinantes sociais, e que vem a influenciar diretamente na saúde da paciente. São fatores ambientais, sociais, econômicos, políticos, culturais, psicológicos e comportamentais, que imbricados aos fatores físicos e individuais devem ser apreciados a todo o tempo, e que tem na proximidade a sua efetividade. Portanto, constitui considerável desvantagem para a saúde das gestantes locais a falta deste atributo.
Outra consideração refere ao ausente conhecimento, ou mesmo precário, sobre os direitos e os deveres da saúde pública em um âmbito coletivo, sobretudo impedindo a população de uma maneira geral de realizar um controle social sobre sua própria saúde. Consequentemente, conclui-se que as medidas tomadas na rotina da UBS podem destoar dos anseios e das angústias da gestante, ficando esta à margem da organização do serviço. Um fator determinante na avaliação da qualidade do mesmo, e que interfere diretamente no acesso.
No que tange à ausência de instrumentos que incentivem a participação popular na organização dos serviços disponíveis na UBS pesquisada, importante considerar que o cenário evidenciado pode corroborar na precarização da responsabilização do cuidado, na redução do sentimento de pertença do usuário com o seu local de saúde, bem como na fragilidade do seu vínculo com a equipe de saúde. Enfim, fatores que possibilitam justificar a falta de interesse das gestantes em realizar o Pré-natal na UBS visitada, ficando estagnada a efetiva realização das consultas, apesar da capacidade estrutural e da existência de recursos humanos para tal.